As Mães de Tiananmen não deixam o massacre ser esquecido

Há 25 anos, Zhang Xianling era uma mulher ingénua. Hoje é uma activista que quer levar a julgamento o Partido Comunista da China pelos crimes do 4 de Junho.

 Zhang Xianling, de 76 anos, mostra a fotografia do filho
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Zhang Xianling, de 76 anos, mostra a fotografia do filho Petar Kujundzic/Reuters
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Em Kuala Lumpur, milhares de velas foram acesas para lembrar as vítimas de 1989 Samsul Said/Reuters
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Jovesn estudantes assinalam a data em Hong Kong Philippe Lopez/AFP
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Palavras de ordem gritadas por activistas pró-democracia em Hong Kong ALEX OGLE/AFP
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Eram esperadas mais de 200 mil pessoas na vigília em Hong Kong Philippe Lopez/AFP
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Em Taiwan, familiares de dissidentes presos na China SAM YEH/AFP
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Manifestação em Hong Kong Philippe Lopez/AFP
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Uma jovem recria a célebre imagem de um homem em frente a um tanque na Praça de Tiananmen ALEX OGLE/AFP
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Um manifestante tira uma foto numa vigília em Hong Kong Philippe Lopez/AFP
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Perto de 200 mil pessoas terão participado na vigília em Hong Kong Philippe Lopez/AFP

O filho ouviu a mãe, mas ignorou-a. Agarrou na máquina fotográfica, montou na bicicleta e pedalou até Tinanamen para tirar fotografias ao que se estava a passar. As tropas já estavam a chegar à praça de Pequim e Wang Nan, que tinha 19 anos, propunha-se registar tudo. “O meu filho tinha este ideal, um ideal nobre, que era preservar a verdade através da lente da sua câmara”. 

Estaria a preparar a objectiva, apontada aos soldados, quando uma bala lhe acertou na cabeça. Zhang diz que o Governo transformou uma mulher ingénua numa activista – ajudou a fundar o grupo Mães de Tiananmen e há 25 anos que a sua missão é responsabilizar o Partido Comunista da China pela morte do seu filho e dos de todas as outras mães, e impedir que o massacre do movimento pró-democracia da Primavera de 1989 caia no esquecimento.

“O que eles querem é que as pessoas não saibam o que se passou, que tudo seja esquecido. Mas nesta era em que a Internet está tão desenvolvida as mentiras não vão conseguir sepultar a verdade”, disse Zhang à AFP numa entrevista telefónica.

Zhang já está habituada à rotina do 4 de Junho. Algumas semanas antes da data, polícias fardados e à paisana começam a vigiar-lhes os passos. Houve um ano em que decidiu ir ao lugar onde o filho morreu – ficou ali deitado durante horas, a esvair-se em sangue, porque os soldados não deixaram que fosse levado ao hospital, soube a mãe nas investigações que fez entretanto –, prestar-lhe homenagem. A polícia deteve-a e assegurou-se de que não repetiria a ousadia – há uma câmara em permanência apontada ao lugar, à espera que Zhang regresse ou que outra pessoa tente recordar o que ali aconteceu. 

Wang Nan acabaria confundido com um soldado e sepultado, antes de alguém perceber o engano. Alguns dias depois, Zhang, que quando ouviu os tiros pensou que era fogo-de-artifício – só quando viu gente ensanguentada a fugir debaixo da sua janela e o filho não voltou, no dia 4, se afligiu –, recebeu uma notificação para ir reconhecer o corpo. 

Na China, é proibido assinalar Tiananmen, seja de que forma for – um grupo de académicos, intelectuais e familiares de vítimas que, há umas semanas, realizou em privado um debate sobre o tema foi detido e interrogado. No final, um dos organizadores ficou preso. 

Como outras mães e familiares, Zhang vai ao cemitério onde o filho está sepultado. A campa de Wang, como a de todos os que morreram na repressão de 4 de Junho – o número de vítimas nunca foi divulgado, terão sido centenas ou milhares –, tem polícias por perto. E polícias à paisana seguem os familiares das vítimas. Zhang já não se importa porque percebeu que sempre que a seguem, os homens do regime chamam a atenção sobre ela. “Sempre que o Governo segue os meus passos está a lembrar o que aconteceu”.

“Não é espantoso que o Estado se preocupe com uma velhinha como eu? Mostra o poder que nós temos, este grupo de idosos, porque representamos o que está certo e o Governo, sabendo disso, tem medo de nós”, disse Zhang, que tem 76 anos, à NPR, uma organização americana que produz conteúdos de rádio e televisão. Está vigiada de muitas maneiras: “Esta manhã recebi um telefonema da polícia e eles já sabiam que vocês [os jornalistas da NPR] vinham cá”.

O que aconteceu é recordado em privado, na maior parte das cidades da China. Hong Kong – que era um território governado pelo Reino Unido à época do massacre e é agora território chinês com uma administração especial – é a excepção. Na terça-feira, activistas pró-democracia lembraram os mortos, numa vigília. Nesta quarta, lembram as reivindicações do movimento de Tiananmen numa manifestação.

Na China continental, e em especial em Pequim, a segurança foi reforçada. A população já sabe que não deve aproximar-se da praça, os jornalistas estrangeiros receberam comunicados a lembrar que não deveriam ir até lá e os turistas chineses (por esta praça tem-se acesso à Cidade Proibida) foram revistados e os seus documentos inspeccionados.

Uma praça vazia no dia dos 25 anos da violenta repressão militar que acabou com a contestação ao regime.

“Não vás para a praça”, disse Zhang Xianling ao filho na noite terrível de 3 de Junho. “Ele respondeu: ‘Ok’”. E saiu.  

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