Quo Vadis PS
A demagogia, como forma degradada da democracia, acaba de marcar o ponto no PS.
Na verdade, tal procedimento redundará num péssimo contributo à credibilidade institucional da política, tanto no plano do partido que o propõe – como propõe – como do sistema representativo, face ao figurino constitucional vigente.
O semipresidencialismo marca a natureza do nosso sistema político. Nele não há eleição direta para o cargo de PM. Há eleições para deputados à Assembleia da República, sendo aquele nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos políticos e tendo em conta os resultados eleitorais. Ou seja: não há lugar para a figura plebiscitária do PM, a qual, para proceder, implicaria um regime parlamentarista de tipo diferente.
Coisa outra é os partidos indicarem ao eleitorado, em ligação com o seu Programa político, qual o candidato ao cargo e, legitimados por este, em eleições gerais, defenderem essa posição junto do Presidente da República. É o que regularmente ocorre. Proceder de modo diferente é não só configurar a referida natureza plebiscitária da figura do PM, que o cargo não comporta, como representaria uma abusiva tentativa de condicionar o papel arbitral do PR (seja ele qual for). Basta ponderar todas as vicissitudes possíveis que podem ocorrer na formação de governos, pelo prazo de cada legislatura, para compreender a incongruência do procedimento.
Quanto à vertente partidária da questão. A eleição direta do Secretário Geral, por todos os militantes, é um modo aberto e participativo de legitimar uma escolha. Mas abrir as portas a uma possibilidade de bicefalia vinculante entre líder de partido e candidato a PM pode revelar-se um erro trágico – sempre que a escolha de um entre em rota de colisão com as orientações do outro, ambos se diminuirão. Mas, mesmo que assim não seja, como pode o País encontrar força institucional num PM que não possa garantir a coesão do Partido que representa? A cada sobressalto partidário espreitará a ameaça da crise governativa. Um partido estruturado deste modo é um partido que diminui drasticamente as condições da sua autoridade e, portanto, da sua credibilidade perante o corpo eleitoral.
Sinal dos tempos. Desta mentalidade pós moderna que julga engrandecer a política e a credibilidade das instituições fazendo da agitação participativa a sua arma de combate para a regeneração da democracia. Será, por este andar, cada vez mais o tempo dos que, por falta de dimensão de Estado, tudo apostam no procedimento como pseudo solução para os problemas das pessoas.
No entanto, depois da reunião do Vimeiro, o problema do PS agravou-se mais. Com a interpretação oficialista de que o seu Secretário Geral é depositário de uma legitimidade inamovível no prazo do mandato. De que resulta que a superação de qualquer crise está exclusivamente dependente do seu critério. Com tal interpretação, o SG do PS não será mais um líder para servir um projeto da responsabilidade dos seus órgãos colegiais. Serão os órgãos colegiais que servirão para assessorar um presidencialismo interno e, onde, face à dinâmica inevitável das coisas, perante essa “lei de bronze” da liderança, tudo se jogará no confronto dos fiéis contra os dissidentes.
Infelizmente, foi esta prática de partido que veio ao de cima na reunião do Vimeiro. Para trás dela fica seriamente posta em causa a cultura republicana do valor do pensamento livre.
Assim sendo - como foi prometido - daqui para a frente tudo será diferente? Se o for, essa nova maneira de fazer política tem um destino previsível: o colapso do papel do PS como partido fulcral no funcionamento equilibrado da democracia portuguesa. Terão ganho os ventos sedutores do apelo aos facilitismos e perdido as condições da ponderação criteriosa e democrática das respostas políticas aos problemas do nosso tempo. Será ainda possível impedir este caminho? Quero acreditar que sim.