Arcade Fire: "Mesmo que quiséssemos soar como o Michael Jackson, acabaríamos por soar a nós próprios"
Entrevista com Richard Reed Parry, compositor e multi-instrumentista do grupo cabeça de cartaz do quarto dia do Rock in Rio Lisboa.
Os concertos dos Arcade Fire são intensos. Mesmo em termos físicos parecem exigentes. Como é vivido por si esse requisito de se apresentar sempre a 100%, noite após noite?
Tocar é magnífico, é isso que me move, é nisso que me concentro. Mas, claro, fazê-lo a este ritmo pode ter alguns custos, mas nunca o senti verdadeiramente. Os concertos deixam-nos exaustos, porque damos tudo. É nisso que me concentro. Só assim faz sentido para nós. É a nossa forma de sermos autênticos.
Neste último álbum acabam por jogar muito com essa noção da “autenticidade”. Quiseram mostrar que ao criarem situações encenadas não deixavam de ser autênticos?
Não diria que existiu um propósito tão claro, porque a autenticidade não é uma questão para nós. Quer dizer, não pensamos muito nisso. Não quisemos marcar uma posição. Essa questão colocou-se porque este álbum foi pensado, mais do que qualquer outro, para acolher uma série de influências novas e claro que as questões de autenticidade acabam por fazer-se sentir nessas alturas. Podemos interrogar-nos se não estamos a desvirtuar a nossa identidade. Mas mesmo que quiséssemos soar como o Michael Jackson, acabaríamos por soar a nós próprios.
Quando os Clash, que vinham do punk, lançaram o álbum Sandinista, que alargava o espectro de influências, foram incompreendidos por muitos admiradores. Receavam o mesmo?
As pessoas podem ficar confusas, claro, porque tendem a confundir “autenticidade” com “originalidade”. No limite, os Clash até podiam estar a ser pouco originais, mas foram autênticos. E hoje quando se olha para trás constatamos que aquilo que fizeram era original. Mas é claro que eles não inventaram o reggae. Estavam a inspirar-se nele, para o conduzirem noutras direcções. No nosso caso, trabalhámos para acolher outras influências sem perdermos o centro, sendo honestos connosco próprios. No fim de contas sabemos claramente que não somos uma banda de reggae, nem nunca seremos, mas podemos acolher influências de reggae.
Quando iniciaram o álbum já existia a ideia de que iria ser qualquer coisa mais física e diversa, ou surgiu no processo?
Falámos sobre isso durante algum tempo. Queríamos um disco que reflectisse várias facetas, com canções mais complexas que entrassem em territórios sónicos novos para nós. E havia também essa ideia de irmos para as Caraíbas trabalhar em algumas canções durante o Verão e isso acabou por contaminar-nos.
Consegue descrever o seu dia-a-dia, longe da rotina do grupo?
Vejo emails, vou ao Facebook, estou com amigos. E tento fazer coisas, em termos musicais, diferentes dos Arcade Fire. Na próxima semana vou lançar um disco a solo [Music For Heart and Breath], que são composições de música de câmara ou algo do género, na editora Deutsche Grammophon. É isso. A minha vida é a música, dormir e comer. Às vezes também ando de bicicleta. Em digressão é raro ouvir música. Mesmo em concertos. Vi St. Vincent em Barcelona e gostei. Há um grupo novo, os Operators, com ex-membros dos Wolf Parade, que também vi e gostei.
Os Rolling Stones tocaram aqui há duas noites. Hoje o rock é uma realidade com várias décadas e, apesar da mitologia, a verdade é que já não constitui qualquer novidade ver em palco músicos de 60 ou 70 anos. Vê-se a fazê-lo no futuro?
Nunca se sabe…[risos]. Tenho ainda muitos sonhos e visões na música por cumprir. É fantástico que os Arcade Fire tenham atingido este nível de popularidade, mas o desafio para mim é poder continuar a fazer coisas nas quais me possa rever. Essa é a motivação principal. Fiz agora um disco a solo que é o oposto dos Arcade Fire. É música intimista, calma e introvertida. É nisso que penso: como vou fazer isto ou aquilo. Não penso se vamos ser tão grandes como os U2 ou não. Ou se vamos atingir a longevidade dos Rolling Stones. Isso não me interessa absolutamente nada.