Leonor e Madalena querem ser personagens de animação japonesa
Lisboa recebe neste fim-de-semana mais uma edição do IberAnime, o maior evento de cultura pop japonesa em Portugal. Além de anime, manga, videojogos e jogos de tabuleiro, o cosplay é uma das principais atracções do evento. Na última edição, realizada em 2013 em Gondomar, o evento contou com a eliminatória nacional do World Cosplay Summit, que permite a duas jovens portuguesas participarem este ano no maior evento de cosplay do mundo.
Juntas, Leonor e Madalena formam a primeira equipa portuguesa a participar no World Cosplay Summit (WCS), o maior evento de cosplay do mundo, onde duplas de cosplayers de 25 países se apresentam e competem. O evento, que se inicia a 2 de Agosto, e que inclui o Cosplay Champioship e a Osu Cosplay Parade, atrai milhares de outros cosplayers e curiosos à cidade japonesa de Nagoya.
A dupla começa os preparativos com o corte dos casacos, feitos de tecido pele de pêssego, de duas das personagens. Leonor hesita em cortar o colete da sua personagem, Sheryl. “A pior parte é cortar os tecidos, porque se fizer asneira não há como voltar atrás.”
Além de Sheryl e Alto, a dupla terá de preparar mais seis cosplays para levar a Nagoya. A escolha foi baseada em cosplays que ambas queriam fazer: no Cosplay Championship irão apresentar duas versões guerreiras da princesa Clalaclan do jogo Shining Wind; para o segundo desfile da Osu Cosplay Parade, Leonor será Claladan e Madalena o seu irmão, Caris; para a conferência de imprensa, a dupla apresentar-se-á numa versão in Wonderland das personagens Esther Blanchett e Cain Nightroad, do anime Trinity Blood.
O orçamento das cosplayers está nos 2000 euros, que sairão maioritariamente do bolso das próprias e dos seus pais. Por este motivo, os materiais tornam-se muito valiosos: “Não costumo fazer moldes, mas neste caso tive de fazer porque temos pouco tecido”, diz Leonor, enquanto reflecte sobre a quantidade de tecido a dar ao colete. Além dos custos, encontrar tecidos pode por vezes ser difícil, e a dupla considera que é necessário ter criatividade: “Chegamos ao ponto de passar por restaurantes e dizer ‘aquela toalha de mesa era perfeita'”, conta Madalena.
Mas não só de tecidos vive o cosplay. Para as armaduras e escudos, Madalena vai trabalhar worbla, um termoplástico recente no mercado que pode ser moldado a baixas temperaturas. As técnicas para este tipo de trabalhos são igualmente criativas: para fazer, por exemplo, um chestplate, a dupla terá de colocar um soutien num manequim, forrá-lo com celofane e depois colocar a placa de worbla previamente aquecida para a moldar, e colocar de novo celofane para o material aguentar a forma. “É difícil, mas não é impossível”, diz Leonor.
O cosplay é uma actividade que exige criatividade e habilidades, que muitas vezes levam os jovens a aproximar-se daqueles que lhes são mais próximos para aprender. André Filipe, da Associação Portuguesa de Cosplay (APC), sublinha que “o cosplay é uma forma de aproximar gerações: avós com capacidades na costura, carpintaria; pais que sempre tiveram uma apetência artística”. Leonor pediu à avó para a ensinar a costurar quando começou a fazer cosplay, Madalena tem a ajuda do pai nos trabalhos que envolvem bricolage.
Além destas habilidades, é essencial, para sobressair no cosplay, dar um toque pessoal àquilo que se faz. O objectivo é “ser igual à personagem e diferente dos outros cosplayers”, e nesse sentido personalizar os fatos é um aspecto marcante. As armaduras que a dupla vai usar no Cosplay Championship vão ser decoradas com renda, uma ideia que Leonor teve de outros cosplays que viu, considerando que a decoração é também onde podem sobressair, “por adicionar alguma coisa nossa: não é alterar, é adicionar, para ficar ainda mais vistoso, porque tem tudo a ver com a atenção”.
Da ficção para a realidade
Exactamente para captar a atenção, a dupla escolheu para o primeiro desfile da Osu Cosplay Parade fazer cosplay de Alto e Sheryl numa versão de circo, o que lhes permite uma grande interacção com o público. “Podemos mesmo fingir que estamos numa apresentação de circo.”
Por entre muitas capacidades, é consensual que um bom cosplayer é aquele que consegue encarnar a sua personagem de forma credível. Para André Filipe, consultor para a Associação Portuguesa de Cosplay, “o bom cosplayer é aquele que consegue trazer de uma forma credível, e à sua maneira, uma personagem de ficção para a realidade”.
O cosplay exige uma certa teatralidade aos seus praticantes: “Parece que é só fazermos os fatos, mas temos de saber como é que é a personagem, como é que fala...”, diz Leonor. Esta teatralidade foi uma das coisas que a atraíaram – “O cosplay satisfaz esse lado camaleão em mim. Eu não sou actriz, não sou modelo, não sou cantora, mas sou um bocadinho disso tudo quando faço cosplay.”
Madalena salienta a identificação que sente com algumas personagens: “Agarro-me muito emocionalmente às personagens, sou o género de pessoa que diz ‘esta personagem é mesmo eu’, há logo uma química, e tenho de fazer cosplay daquela personagem, demore os anos que demorar.”
A performance é considerada a parte mais importante do concurso, e a dupla terá de preparar um skit, uma pequena representação para fazer durante o Cosplay Championship. Os conhecimentos que Madalena adquire no curso de Comunicação e Multimédia que está a tirar serão essenciais quando trabalharem com programas de animação e áudio, mas antes disso há que criar “uma história, inspirada numa cena do anime ou numa imagem, uma história com cabeça, tronco e membros para o público e os jurados verem. Apesar de ser cosplay, isto é como um teatro”.
Um hobby em crescimento
A eliminatória que permitiu a participação da dupla no WCS deu-se no IberAnime OPO 2013, um dos maiores eventos dedicados à cultura pop japonesa realizados em Portugal. A iniciativa de trazer esta competição a Portugal foi da produtora de eventos Manz, que considerou, segundo o CEO da empresa, André Manz, que seria “muito importante trazer o WCS, porque ajudaria ao desenvolvimento dessa cultura em Portugal”.
O cosplay surgiu em Portugal em 1997, mas começou a ganhar mais expressão em 2004, com o aumento de eventos dedicados à cultura pop japonesa, como o IberAnime, que leva ainda hoje a um maior conhecimento desta actividade e a um consequente aumento de praticantes. Também a transmissão da conhecida série Dragon Ball, mas também de Naruto, Bleach, entre outras, em canais portugueses, levou a um conhecimento do anime e “daí até uma rápida pesquisa no Google por anime, Portugal, era um passo à descoberta do cosplay”, acrescenta André Filipe.
Leonor desde pequena que gostava de ver os desenhos animados japoneses, tendo tido o seu primeiro contacto com o cosplay aos 14 anos, quando fazia pesquisas na Internet. Já Madalena chegou ao cosplay por influência de uma amiga que tinha conhecimento deste universo. A APC estima que existam 300 a 400 cosplayers em Portugal com alguma actividade regular e a participação num concurso como o WCS pode estimular o aumento da qualidade dos cosplays em Portugal, nomeadamente pela existência de eliminatórias de uma grande competição. Muitos cosplayers estão agora a tentar “mostrar o cosplay como algo mais sério: um hobby, mas não feito por amadores”, defende Leonor Grácias.
Por participar este ano pela primeira vez no WCS, Portugal terá apenas estatuto de observador. Apesar disto, o ânimo da dupla não fica diminuído: “Nós vamos para lá como se fôssemos para ganhar”, diz Madalena, e apesar de considerarem que lhes tira um peso de cima não haver a possibilidade de ganharem ou perderem, sentem ainda assim a responsabilidade de representar Portugal.
Ao mesmo tempo que se sentem entusiasmadas, as amigas receiam não acabar os preparativos a tempo. Para que tal não aconteça, a dupla, que escolheu como nome Konpeito (rebuçados de açúcar japoneses, inspirados nos confeitos portugueses), vai passar os próximos meses a coser, moldar, decorar e treinar, aperfeiçoando os seus fatos e performances. “Tenho medo de que corra mal”, diz Leonor, tendo uma pronta resposta de Madalena: “Não vai correr mal.”