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Sinn Féin denuncia motivações políticas na detenção de Gerry Adams

Adams apresentou-se numa esquadra da polícia de Antrim, na Irlanda do Norte, ao início da noite de quarta-feira, para um depoimento “voluntário” no processo relativo ao rapto e assassínio de Jean McConville.

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Líder do Sinn Féin foi detido ao abrigo da Lei de Terrorismo de 2000 REUTERS/Neil Hall

Para McGuinness, que pertence ao Sinn Féin, a prisão do líder republicano prova que “ainda existe um lado negro no policiamento da Irlanda do Norte”, que tem estado a “flectir os músculos nos últimos dias”. Como explicou, não é de agora que Adams é atacado “de forma hostil e maliciosa” por aqueles que “veementemente se opõem à estratégia de paz do Sinn Féin”.

Adams apresentou-se numa esquadra da polícia de Antrim, na Irlanda do Norte, ao início da noite de quarta-feira, para um depoimento “voluntário” no processo relativo ao rapto e assassínio de Jean McConville, uma viúva de 37 anos, por membros IRA. “Já tinha manifestado à polícia a minha disponibilidade para reunir com os detectives”, para reafirmar a sua “total inocência” no caso, que remonta a Dezembro de 1972.

O presidente do Sinn Féin foi detido para interrogatório às 20h, ao abrigo da Lei de Terrorismo aprovada no ano 2000, e que prevê a possibilidade de manter um suspeito detido sem acusação durante 28 dias. No entanto, a lei exige que a detenção seja confirmada por um juiz após as primeiras 48 horas.

A morte de Jean McConville causou enorme comoção na época, e ainda hoje o seu caso destaca-se como um dos mais brutais do período de violência política e sectária entre nacionalistas e “lealistas” e entre católicos e protestantes que se prolongou por mais de 30 anos na Irlanda do Norte – uma época historicamente designada como The Troubles.

“Apesar de nunca me ter dissociado do IRA, isso não quer dizer que concordo com tudo o que eles fizeram, porque não concordo. O caso de Jean McConville, particularmente, constituiu um erro grave, e uma profunda injustiça para ela e a sua família. Mas felizmente, a guerra acabou”, sublinhou Gerry Adams, num comunicado divulgado antes de se apresentar na esquadra.

Adams, que formalmente nunca foi membro do IRA, está à frente do Sinn Féin, o segundo maior partido da Irlanda do Norte, desde 1983. Mas a sua intervenção política começou ainda na adolescência, certamente por influência da família, activa no movimento do republicanismo armado. Em 1972, foi detido sem acusação ao abrigo de uma controversa lei de poderes especiais, acabando por ser libertado por indicação do IRA, que apontou o seu nome para a delegação que iria negociar o cessar-fogo com o Governo britânico (um processo falhado e que culminou na famosa Sexta-Feira Sangrenta, em que o IRA fez explodir 20 bombas em Belfast).

Originária da zona leste de Belfast, região dos protestantes leais à coroa britânica, Jean converteu-se ao catolicismo após o casamento com Arthur McConville, com quem teve dez filhos. A família acabou por se instalar na outra ponta da cidade, onde habitam os católicos – em 1971, Jean ficou viúva num bairro hostil. O seu rapto, levado a cabo por paramilitares do IRA nas vésperas do Natal de 1972, terá ficado a dever-se aos boatos que corriam na zona sobre a sua alegada “colaboração” com as autoridades protestantes: houve vizinhos que disseram tê-la visto socorrer um soldado britânico, enquanto outros alegaram que informava a polícia sobre as movimentações dos republicanos. Essas alegações foram postumamente desmentidas, após um inquérito formal da provedoria da polícia da Irlanda do Norte.

No ano passado, a BBC produziu um documentário sobre o seu desaparecimento: a filha Agnes, lembrou o dia em que um grupo de homens e mulheres apareceu de surpresa à porta de sua casa, e arrastou Jean aos gritos para dentro de uma carrinha. “E nunca mais a vimos."

O rapto foi imediatamente atribuído ao IRA, que todavia negou qualquer envolvimento com o caso. Sabe-se agora que Jean terá sido escondida em diversos locais usados pelos guerrilheiros, até ser executada com um tiro na cabeça e enterrada num lugar secreto. O inquérito foi reaberto em 1999, na sequência dos trabalhos (confidenciais) da Comissão para a Localização dos Restos Mortais das Vítimas – uma das concessões do IRA para a assinatura do acordo de paz de Sexta-feira Santa de 1998.

Essa foi a primeira vez que a guerrilha nacionalista admitiu ser responsável pelo rapto, morte e ocultamento de nove dos chamados desaparecidos da violência sectária, entre os quais Jean McConville. O seu corpo só viria a ser encontrado em 2003, numa praia de County Louth, na República da Irlanda.

Michael McConville, outro dos filhos de Jean, congratulou-se com a detenção do líder republicano. “Eu e os meus irmãos estamos satisfeitos por ver que a polícia está a fazer o seu trabalho e a investigação está a avançar. Nunca imaginámos que a prisão [de Gerry Adams] fosse acontecer, e estamos contentes”, confessou à Radio 4. A família fez saber que tenciona apresentar uma queixa cível contra o presidente do Sinn Féin, mesmo se a investigação policial exonerar Adams de qualquer responsabilidade na morte de Jean McConville.

Antes do líder do Sinn Féin, a polícia da Irlanda do Norte deteve Ivor Bell, um antigo membro do IRA que foi expulso da organização na década de 80, sob acusação de cumplicidade na morte de Jean McConville. O envolvimento de Bell, hoje com 77 anos, foi invocado pelo antigo comandante do IRA, Brendan Hughes, que concedeu uma entrevista a investigadores de uma universidade dos Estados Unidos que estudavam a violência sectária durante a época dos The Troubles.

O acordo de Hughes com o Boston College previa que as suas palavras só fossem divulgadas publicamente depois da sua morte. Na entrevista, o guerrilheiro – que sempre criticou a estratégia política do Sinn Féin – diz que Gerry Adams foi o mentor da criação de uma unidade especial do IRA cuja missão era encontrar os delatores da comunidade nacionalista, e que terá sido ele a dar a ordem para o desaparecimento de Jean McConville.

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