Liveras, o armador que morreu num atentado, queria pôr Viana a fazer mega-iates
Uma das poucas encomendas que deu lucro aos ENVC foi do cipriota-britânico Andreas Liveras. Morreu no massacre de Bombaim, em 2008, antes dos navios serem construídos
O cipriota de 73 anos com nacionalidade britânica chegara à capital financeira da Índia a bordo do seu mega-iate Alysia - um luxo flutuante de 65 milhões de libras com 18 quatros, um heliporto, cinema e uma tripulação permanente de 34 membros. Um cartão-de-visita da sua Liveras Yatchs, empresa sediada no Mónaco, especialista no aluguer para férias de embarcações de luxo. Teve, entre outros clientes, o Rei do Bahrain, o cantor Robbie Williams e o futebolista Wayne Rooney, que num dos iates da Liveras deu a recepção do seu casamento na Riviera italiana.
O corpo de Andreas Liveras chegou sem vida ao hospital St George de Bombaim. Desaparecia um dos símbolos do self made man britânico. Chegado em 1963 a Londres, depois de ter sido taxista em Chipre, começou por trabalhar numa pequena padaria de Kensington que, cinco anos depois, comprou. Foi o início de uma actividade de sucesso no sector da alimentação que se expandiu a vários países e continentes. Tinha uma fortuna estimada então em mais de 380 milhões de euros e estava no 265º posto dos mais ricos da Grã-Bretanha na lista do The Sunday Times.
A sua trágica morte comoveu as ilhas britânicas. E foi um duro golpe nas aspirações dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC). Os estaleiros minhotos tinham recebido em Maio de 2008 a encomenda: os números 260 e 261 da sua produção seriam dois mega-iates. Uma diversificação mais do que bem-vinda para o construtor naval, já que foram os únicos contratos que assinou nesse ano e seria a sua estreia num nicho de grande valor acrescentado, que é o dos mega-iates.
Com o assassinato de Andreas Liveras, numa acção de radicais paquistaneses e dos terroristas indianos da Lashkar-e-Tayyba, as suas encomendas foram canceladas em Junho de 2009, sete meses depois da matança de Bombaim e um ano depois do contrato ter sido assinado. Os herdeiros do negócio de Liveras ainda admitiram a possibilidade de manter uma das encomendas, segundo revela a auditoria financeira da Inspecção-Geral de Finanças concluída em Maio de 2009, mas tal não veio a acontecer.
Apesar do desfecho trágico deste processo, os dois projectos deixaram aos ENVC um saldo líquido positivo de 3,5 milhões de euros, depois de descontados os custos em que já tinha incorrido por causa da obra e pagas as indemnizações por interrupção do contrato.
“Era um contrato muito arriscado” na opinião de um ex-gestor dos estaleiros, mas que valia a pena. “Os mega-iates são o BMW da indústria naval. São tecnologicamente carregados e com um grau de acabamento que nada tem a ver com os porta-contentores que Viana fazia na década de 1980”. Liveras trazia um parceiro grego para fazer os acabamentos de interiores.
Em Dezembro de 2009, a açoriana Atlânticoline, decidia a devolução do Atlântida e o cancelamento do Anticiclone. Seguiu-se, em Outubro de 2012, o cancelamento por decisão do Ministério da Defesa Nacional de José Pedro Aguiar-Branco, das encomendas do Estado português: dois navios de combate à poluição pedidos em Maio de 2004 e cinco lanchas de fiscalização costeira encomendadas em Março de 2009.
De todas as encomendas canceladas na década que passou, as mais ruinosas para Viana do Castelo foram as dos dois navios para os Açores. Com o cancelamento das encomendas do Governo (as referidas cinco embarcações), os ENVC ainda tiveram um saldo positivo de 5,8 milhões de euros e com os mega-iates lucraram 3,5 milhões. Os dois navios para a Atlânticoline deram um prejuízo de 73,7 milhões de euros, calculava então o accionista dos estaleiros, a holding pública da defesa Empordef.
Já em 2010, ao virar da década, os ENVC ainda assinaram com a Hellenic Seaways a construção de dois ferries de luxo, mas o negócio de 120 milhões de euros caiu meses depois por falta de financiamento do armador grego.