O salário mínimo da austeridade máxima

Mesmo que não haja aumento do salário mínimo, todos procurarão tirar louros deste debate.

Um mês passado sobre o golpe militar de 25 de Abril, o jornal O Século de 26 de Maio de 1974 anunciava em notícia de primeira página: “O Governo Provisório fixou em 3330$00 o salário mínimo mensal para os trabalhadores por contra de outrem.” Para o sector privado, mantinha-se a liberdade de contratar entre aquela quantia e os 7500$00, sendo que salários superiores ficavam “temporariamente congelados”. Assim começava, há quarenta anos, uma “novidade” que agora, já mais dos que instituída, volta à ribalta, acenando os governantes com um possível aumento dos actuais 485 euros para 500.

Em 1974 foi, em muitos sectores, uma espécie de “bomba”. Havia quem ganhasse mil escudos e isso levou a que se falasse, naturalmente, em aumentos “escandalosos”. Mas o que uns perderam ganharam outros: o poder de compra aumentou exponencialmente e, estando os ordenados miseráveis proibidos, houve, como reconhece hoje o ministro do Trabalho no I Governo Provisório (o de Palma Carlos), “um impulso” na economia.

Ora é talvez pensando em repetir tal “impulso”, embora em muito menor escala, que Passos Coelho tem vindo a falar no assunto, afirmando que o Governo se dispõe “a fazer concessões” de modo “a trazer para a mesa da discussão a melhoria do salário mínimo”. Nada que Sócrates não tenha feito, prometendo aumentar o salário mínimo para 500 euros em 2011. Mas nesse ano, em lugar de aumento, o salário mínimo congelou: chegava a troika, o país elegia novo governo e havia outras contas, duras, para fazer.

O “descongelamento” que agora se propõe terá condicionantes, ainda por definir, e são essas condicionantes já motivo de suspeita por parte de alguns sindicatos: o que lhes tirarão, para receberem mais 15 euros? Direitos? Capacidade negocial? Seja o que for, a discussão em torno do salário mínimo transformou-se já numa peça eleitoral. Mesmo que, mais uma vez, não se concretize, todos procurarão tirar louros deste debate e das promessas a ele associadas. Organizações patronais, sindicais, e partidos estão já a postos para discutir o salário mínimo da austeridade máxima. E que, por ser assim, não reporá o poder de compra dos que menos ganham, acrescentando-lhe, no entanto, mais uns euros para, como diz ao PÚBLICO nesta edição uma assalariada, “mais uns pacotes de leite, mais iogurtes”. De pouco vale, embora isso tenha sido feito nos últimos dias, comparar o valor real dos 3300$00 do primeiro salário mínimo oficial, o de 1974, com os 485 de hoje (seria, consoante as contas, entre 534,75 e 548 euros), porque, em qualquer caso, o valor actual e mesmo o futuro ficarão abaixo do montante de estreia.

Uma coisa é certa: com a saída da troika e as eleições no horizonte, o tema irá arrastar-se pela ribalta enquanto convier. Tal como se arrastam, pesarosas, as dificuldades dos muitos milhares para quem os tais 15 euros de diferença (fora descontos, claro) são uma fraca mas irrecusável miragem que ninguém sabe quando, e como, se tornará realidade.

 

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