Auditoria à Câmara de Loures encontrou indícios de crimes e infracções financeiras
Viagens sem fundamentação, despesas com refeições autorizadas pelos beneficiários, avenças em relação às quais não se encontrou trabalho feito, elevados encargos com a compra de café, com comunicações, combustíveis e portagens são algumas das situações reveladas.
Bernardino Soares falava numa conferência de imprensa, que se realizou esta quinta-feira com o objectivo de apresentar as principais conclusões dos primeiros cinco relatórios de auditoria, para as áreas de “viagens, estadas e despesas de representação”, “comunicações”, “viaturas”, “avenças e prestações de serviço” e “consultadoria jurídica”, relativamente às quais se constatou ter havido "graves acções e omissões da gestão anterior". A expectativa do autarca comunista, que sucedeu na presidência da câmara ao socialista Carlos Teixeira (que ocupou o cargo entre 2001 e 2013), é que “daqui a 15 dias” possa ser dado a conhecer “um novo conjunto de dossiers”.
O presidente da câmara começou por explicar que esta auditoria, que tinha sido uma das suas promessas eleitorais, revelou ser “uma tarefa de especial complexidade”, atendendo não só à “vastidão das matérias a analisar”, mas também à “dificuldade em tratar e em certos casos em obter a informação indispensável para o trabalho, tendo em conta a insuficiência dos registos e a desadequação de muitos procedimentos”.
Uma das conclusões a que se chegou é que, desde 2002, o município gastou quase 300 mil euros em deslocações e estadas nas quais participaram membros do executivo. “A maioria não se encontra fundamentada nem tem relatórios de avaliação que demonstrem o seu interesse para o município, para além de carecer de demonstração de critérios para a composição das delegações”, resumiu Bernardino Soares.
Além disso, explicita-se no relatório da auditoria, “a quase totalidade das adjudicações e estadas foram efectuadas por recurso à figura do ajuste directo”, o que “não respeita o estipulado no que concerne ao cumprimento dos princípios e regras orçamentais”.
Quanto às despesas de representação com refeições, “constatou-se que o seu pagamento não contempla a invocação de base legal, o fim visado, a menção do interesse público subjacente à respectiva realização e a identificação dos participantes”. A esse respeito é dado o exemplo dos Serviços Municipalizados de Loures, cujos administradores apresentaram facturas que tinham no verso indicações como “almoço/jantar ao serviço dos SMAS em acção confidencial” ou simplesmente “confidencial”.
No relatório destaca-se que, ainda em relação às despesas com refeições, “os responsáveis foram, simultaneamente, autorizadores da despesa e beneficiários da mesma”, algo que não devia verificar-se “em abono do princípio da transparência e do rigor da utilização de dinheiros públicos”.
O relatório da auditoria incluiu um subcapítulo relativo ao consumo de café. A este respeito verificou-se que, entre 2010 e Setembro de 2013, a câmara gastou mais de 38 mil euros na compra de cápsulas de café, número que foi destacado por Bernardino Soares na conferência de imprensa desta quinta-feira.
Quanto às comunicações, de 2002 a 2013 houve encargos no valor de cerca de oito milhões de euros. O presidente sublinhou que, no caso das comunicações móveis, “em várias situações os gastos ultrapassaram os limites definidos”, tendo a câmara assumido esse diferencial “sem qualquer justificação expressa, como determinava o despacho enquadrador destas matérias”. Também “em violação” desse documento, “foram atribuídos telemóveis a dois prestadores de serviços”, acrescentou o autarca.
O relatório da auditoria referente a este tema inclui um quadro com as despesas com comunicações móveis, desagregadas por entidade. Nele é possível ver que o anterior presidente da câmara teve, entre 2010 e Setembro 2013, seis telemóveis, cinco dos quais tiveram utilização num período coincidente. Com esses telemóveis, com uma placa de banda larga e com um tablet, Carlos Teixeira gastou um total de 83.206,55 euros, o que dá um valor mensal de mais de 1.800 euros.
No documento diz-se que, à data em que este foi concluído, não tinham ainda sido devolvidos ao município “três I-Phones, dois atribuídos ao anterior presidente da câmara e um à vereadora Emília de Figueiredo, bem como dois tablets, atribuído um a cada”. Além disso, verificou-se que “dois I-Phones entregues pelos vereadores Ricardo Lima e Ricardo Leão se apresentam completamente deteriorados”.
Quanto às viaturas, verificou-se que, observou Bernardino Soares, “foi frequentemente incumprida” uma regra do regulamento municipal que regula esta área, segundo a qual os veículos camarários devem ser abastecidos no posto de abastecimento municipal”. Foram ainda identificados vários casos de utilização, por membros do executivo e dos seus gabinetes de apoio, do cartão Galp Frota e da Via Verde em dias para os quais tinham marcado férias, totalizando quase cinco mil euros.
Em relação às avenças, a auditoria analisou, por amostragem, um conjunto de despesas com a aquisição de prestação de serviços entre Janeiro de 2008 e Setembro de 2013. Na área do apoio aos gabinetes do executivo municipal foram avaliadas quatro avenças (com a Faça Sucesso, a Transes, a Gammaconsult e a Riscomínimo), com um custo de mais de 600 mil euros, e em relação às quais “não se encontrou evidência de trabalho feito”, como sublinhou Bernardino Soares.
O autarca destacou ainda dois casos de avenças de apoio a unidades orgânicas: o da Small People e o da Redondateoria. Segundo o PÚBLICO apurou, a primeira tem como sócio um ex-candidato à presidência da Junta de Freguesia de Santa Iria da Azóia, Valentim Gil Carvalho, e a segunda tem como sócios um ex-presidente da Junta de Freguesia de Camarate, Manuel José Vaz, e um ex-candidato ao mesmo lugar, Renato Joaquim Alves. Todos eles concorreram a esses cargos políticos pelo PS.
Segundo Bernardino Soares, a Small People é “uma empresa de comércio de vestuário que prestava assessoria na elaboração de estudos e projectos para uma nova matriz de intervenção dos serviços de apoio às famílias nas escolas", serviço que “não prestou naturalmente”.
Quanto à Redondateoria, o autarca explica que esta empresa tinha nos serviços municipalizados a função do tratamento processual dos processos de indemnização por responsabilidade civil. “Tomámos a decisão de rescindir o contrato, existindo muitos processos por tratar em atraso, que já foram recuperados pelos serviços e hoje são tratados internamente sem necessidade de qualquer prestação externa”, disse ainda Bernardino Soares.
Finalmente, em relação à consultadoria jurídica, a auditoria detectou “a inexistência de cadastro processual actualizado”. Segundo o presidente da câmara, verificou-se ainda que “muitos processos” não estão no gabinete de consultadoria jurídica, mas sim nos escritórios dos advogados que prestam serviço ao município, tendo ainda sido detectados muitos casos que não tiveram andamento ao longo de vários anos ou que simplesmente não se encontram atribuídos a nenhum advogado.
O presidente da concelhia de Loures do PS e vereador do município, Ricardo Leão, disse à Lusa que não faria comentários sobre esta auditoria, “enquanto não conhecer os resultados finais”. Já Bernardino Soares não tem dúvidas de que, embora sejam apenas “uma primeira amostra”, as conclusões agora tornadas públicas revelam “graves acções e omissões da gestão anterior”, acrescentando que elas merecem a sua “mais veemente censura”.
“Nestes meses corrigimos já um conjunto de questões entretanto detectadas e estamos a trabalhar para promover as alterações estruturais e de procedimentos para prevenir que esta e outras situações se repitam”, concluiu o autarca comunista. Durante a campanha eleitoral, Bernardino Soares tinha afirmado que 12 anos de gestão socialista tinham tornado o concelho “conhecido por más razões”, como “promiscuidade, favorecimento de privados, má gestão e desperdício”.