Organizações LGBT prometem não deixar cair co-adopção
Co-adopção rejeitada nesta quinta-feira no Parlamento. Ilga-Portugal seguirá com queixa até Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, se for preciso.
Paulo Corte-Real, presidente da Ilga – Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero – Portugal, está “chocado” com o chumbo da co-adopção. Parece-lhe que o modo como a Assembleia da República votou esta sexta-feira revela um “extremismo enorme”, que fica indiferente aos direitos das crianças. Não desistirá do processo que em Março do ano passado deu entrada no Tribunal Administrativo contra o Estado português. Está disposto a seguir até ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
“Esta é uma questão consensual”, diz Corte-Real. O Tribunal Europeu já condenou a Áustria por impedir a co-adopção por casais do mesmo sexo. O outro membro do casal também teria direito de adoptar a criança, de outro modo estar-se-ia a violar a Convenção Europeia dos Direitos Humanos – o artigo 14 (proibição da discriminação) em conjugação com o artigo 8 (direito ao respeito pela vida privada e familiar). No acórdão, Portugal era citado como um dos exemplos de países nos quais esta violação ocorre. Para além de Portugal, só a Roménia, a Ucrânia e a Rússia permitiam co-adopção por casais de sexo diferente e não por casais do mesmo sexo.
Ana Cristina Santos, da associação Não Te Prives, encara a votação como um “total desrespeito” pelas crianças. “Não estamos a falar de adopção. Estamos a falar de crianças que têm uma família”, sublinha. O que estava em cima da mesa era a possibilidade de um dos membros do casal adoptar o filho, biológico ou adoptado, da pessoa com quem vive em união de facto ou com quem se casou.
Se um pai ou mãe morre, nada protegerá o vínculo que a criança possa com o outro pai ou mãe, exemplifica Corte-Real. Se o casal de divorcia, não há regulação de responsabilidades parentais. No dia-a-dia, só quem tem responsabilidades parental pode assumir, em termos legais, a educação ou o acesso à saúde da criança.
Na quinta-feira, o Comité Português da Unicef defendeu a co-adopção como um modo de preservar os vínculos afectivos. Já no arranque das audições no parlamento, a vice-presidente do Instituto de Apoio à Criança, Dulce Rocha, também falara na “importância de manter as relações afectivas privilegiadas que as crianças estabelecem na primeira infância e que são importantes para a sua vida inteira".
A propósito da iniciativa legislativa do partido socialista, o Comissário Europeu dos Direitos Humanos do Conselho da Europa, Nils Muiznieks, escrevera à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias. “É a minha posição que os casais de pessoas do mesmo sexo, tendo em conta o princípio do superior interesse da criança, devem ter acesso às mesmas oportunidades de serem considerados como pais ou mães adoptantes de uma criança. Os direitos parentais de ambos os membros do casal devem ser reconhecidos sem discriminação”, sustentou.
A Não te Prives, que organiza a Marcha Contra a Homofobia e a Transfobia em Coimbra, já decidiu dedicar a edição deste ano à co-adopção. “É mais uma oportunidade de levar para a praça pública esta questão”, explica Ana Cristina Santos. Lisboa ainda não decidiu. O Porto também não, mas João Paulo, que lidera a organização dessa marcha, adianta que a manifestação “andará por aí”.
Avançar para a co-adopção é “inevitável”, acredita João Paulo. Por estes dias, ocorre o que aconteceu com o casamento entre pessoas do mesmo sexo: o processo arrastou-se anos, com avanços e recuos.
Sérgio Vitorino, dos Panteras Rosa – Frente de Combate à LesBiGayTransFobia, encara a rejeição da co-adopção como uma oportunidade de voltar ao sítio que lhe parece certo: de recolocar o debate nos direitos parentais dos homossexuais – que envolvem, além da co-adopção, a adopção e a procriação medicamente assistida.
“Enquanto não reconhecermos os direitos parentais das famílias LGBT [lésbicas, gays, bissexuais e transgénero] não resolvemos a situação das crianças”, diz o activista. Mesmo a proposta que esta sexta-feira foi votada não resolvia o problema de todas as crianças que já existem - apenas das que existem dentro de relações formalizadas.
“Fomos empurrados para esta situação com a lei do casamento”, entende. “Sempre defendi que a questão da parentalidade devia ser resolvida ao mesmo tempo que o casamento. Tanto a lei do casamento como a da união de facto têm leis discriminatórias. Portugal é o único país com casamento sem adopção.”