Ordem e sindicatos juntam-se para contestar mudanças na formação médica
Se o projecto do Governo de revisão do regime de internato médico avançar nos moldes em que está definido, muitos licenciados e mestres em Medicina podem ficar sem especialidade.
Um debate sobre esta matéria está marcado para esta quinta-feira à noite no Conselho Regional do Norte da OM, que se junta assim às duas organizações sindicais do sector, o Sindicato Independente dos Médicos e o Sindicato dos Médicos do Norte, na contestação à proposta.
Mas o presidente da OM/Norte, Miguel Guimarães, admite que o objectivo é concertar uma resposta a nível nacional, estando previstas outras reuniões no Centro e no Sul. “O momento é grave e merece uma resposta concertada e firme de todos”, lê-se na convocatória da reunião. Em causa está, entre outras coisas, a eventualidade de os licenciados e mestres em Medicina deixarem de poder escolher uma especialidade, no final do curso, se não obtiverem nota superior a 50% na futura prova de selecção, que vem substituir a prova de seriação. Actualmente todos os jovens médicos podem escolher uma especialidade, independentemente da classificação final na prova de seriação.
“Está em causa o futuro dos mais novos e o futuro do SNS. A prova de admissão ao internato da especialidade já em tempos foi de exclusão e não queremos que a experiência se repita”, defende Merlinde Madureira, do Sindicato dos Médicos do Norte. “O conteúdo do projecto de decreto-lei representa um retrocesso de anos e anos”, corrobora Mário Jorge Neves, da FNAM, que teme a multiplicação de médicos indiferenciados, sem especialidade. "Se a actual prova de seriação visa apenas escalonar os candidatos, a futura prova de avaliação tem carácter eliminatório", explica.
A OM não põe em causa a imposição de uma nota mínima na prova, “porque as faculdades de medicina não oferecem todas a mesma garantia de qualidade, mas deverá sugerir uma percentagem mais baixa”, adianta Miguel Guimarães. O mais grave do projecto de diploma, no seu entender, é a passagem, para a Administraçã Central do Sistema de Saúde (ACSS), das tarefas de definição das idoneidades dos serviços e respectivas capacidades formativas, actualmente a cargo da Ordem. “Passar [isto] da OM para o Estado é querer baixar a qualidade da formação médica que é reconhecida internacionalmente”, considera.
Preocupados com a proposta de diploma estão também os estudantes de Medicina. Como no futuro deixa de existir o chamado ano comum do internato (no final do qual os médicos já podem trabalhar mesmo sem terem especialidade), os jovens que frequentaram durante seis anos o curso de Medicina não poderão sequer exercer, alerta Duarte Sequeira, da Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM).
Sublinhando que não concorda com o modelo actual da prova de seriação, um exame “totalmente baseado na memorização e que está ultrapassado”, e que admite também a imposição de uma nota mínima na futura prova de avaliação, Duarte Sequeira sustenta porém que esta nota não pode ser calculada de forma arbitrária e deve estar ajustada à dificuldade do exame. Lamenta ainda que o projecto de diploma apenas tenha incluído algumas das recomendações do grupo de trabalho que andou a estudar este matéria durante anos. “Foi feito em cima do joelho. A proposta aparece como uma medida paliativa para o problema de termos demasiadas pessoas a terminar o curso de Medicina. Este problema poderia ser resolvido a montante, se se diminuisse o numerus clausus nas faculdades, como também propôs o grupo de trabalho”, frisa.
Se este regime fosse aplicado com a actual prova de seriação, de acordo com cálculos efectuados pelo jornal virtual “Canal Superior”, quase um terço dos candidatos não poderiam escolher uma especialidade médica. Na prova de seriação do concurso para ingresso no internato de 2013, 31,5% dos 1758 candidatos não conseguiram obter nota superior a 50%.