“Como é possível eu ter feito aquilo?”, interroga-se ama ao confessar agressões a criança de dois anos
Sexagenária foi denunciada por um vídeo feito por um vizinho que a mostra a bater repetidamente num dos menores à sua guarda
"Como é possível eu ter chegado àquele ponto e ter feito aquilo?", interrogou-se a arguida, que pediu desculpa aos pais da criança e negou ter agredido um segundo menino, como consta da acusação. A única explicação que deu para os seus actos foi estar "no limite", na altura, em parte por causa da morte do marido, que tinha Alzheimer, mas também devido ao excesso de trabalho, uma vez que tinha a seu cargo mais crianças do que lhe era legalmente permitido. “ É quase impensável e ainda hoje é um pesadelo incrível que tenho”, observou sobre os seus actos.
A sexagenária foi denunciada por um vídeo feito por um vizinho em 2011, que a mostra a bater repetidamente num dos menores que tinha à sua guarda, na marquise das traseiras onde fazia as refeições. Nesse dia, a 17 de Maio de 2011, não aguentou o comportamento do menino, que era uma criança “mais agitada” que as restantes: “Cheguei ao meu ponto de ruptura”.
Nas quatro assoalhadas da sua casa, onde funcionava o infantário improvisado, "Vavá", como era conhecida a ama, "armazenava" 17 crianças, com idades que iam dos três meses aos três anos, apesar de como ama não poder por lei tomar conta de mais de quatro. “Eu tinha consciência de que eram muitas. Mas os pais pediam-me e eu não sabia dizer que não”, recordou Helena Ferreira em tribunal, chorosa. “Aboli-me como pessoa”. Uma mãe disse em tribunal como a convenceu a aceitar-lhe a filha, apesar de a ama lhe ter repetido que já não podia ter ali mais crianças: “Pedi-lhe, chorei…”. Os preços módicos, habitualmente entre os 40 e os 150 euros mensais, contribuíam para sossegar os pais, a maioria dos quais não conhecia sequer as condições em que funcionava a creche, fechada depois de o vídeo das agressões ter passado na SIC. Nele se vê também as crianças a serem alimentadas todas do mesmo prato e com a mesma colher, como numa linha de montagem de uma fábrica. Os crimes de maus tratos por que responde a sexagenária dizem não apenas respeito à violência que exerceu mas à falta de condições de higiene e segurança. “Era impossível dar-lhes de comer ao mesmo tempo de outra maneira”, justificou-se perante a juíza. “Quando vi o vídeo fiz uma rebobinagem e percebi que era eu que tinha feito aquilo”.
Além de Vavá, no apartamento da Miguel Bombarda apenas havia outra adulta, uma empregada russa que não falava português e que raramente contactava com os menores. Berçário era coisa que não existia. A creche clandestina funcionava noite e dia e também aos fins-de-semana, confirmou um pai que depôs em tribunal esta quarta-feira, que quando ficava a trabalhar até tarde deixava ali o filho até à meia-noite ou uma da manhã. Tal como outros pais, confirmou que a ama parecia sempre ser muito carinhosa: “O meu filho nunca chorou para não ir para a creche. Às vezes chorava era por ir de lá embora para casa”. Mesmo a quem precisava de ama fora de horas e aos fins-de-semana, Vavá nunca cobrava mais de 250 euros por mês.
Ao que contou a arguida às autoridades antes de o julgamento começar, na altura em que tudo aconteceu tinha-se desabituado de dormir, depois de ter sido obrigada a ficar acordada dia e noite para impedir o marido de fugir para a rua, e pouco comia; andava sempre a beberricar água e não ia à cama mais de uma ou duas horas por noite.
Nenhum dos pais que depuseram até ao momento em tribunal disse porém ter-lhe alguma vez notado comportamentos estranhos. Um consultor informático cuja filha frequentou a creche clandestina durante mais de um ano contou que a ama era como uma avó para as crianças, e que ainda hoje, passados três anos, a criança gosta de estar com ela. “A minha primeira reacção ao ver o vídeo foi de incredulidade total”, confessou. Depois emocionou-se: “Eu disse-lhe que continuava a confiar nela”.