Tal pai, tal filho
Algumas notas. Desde há muito que os estudos, designadamente no âmbito da sociologia da educação, mostram uma relação forte entre a carreira escolar e o estatuto profissional atingido pelos filhos e o nível de escolaridade e estatuto social e económico dos pais. Também sabemos que isto é tanto mais evidente quanto maiores são os níveis de desigualdade. Em Portugal verifica-se um dos maiores fossos entre ricos e pobres da União Europeia pelo que a relação entre o nível escolar e salarial dos pais e o dos filhos é ainda mais forte. O relatório da OCDE vem, mais uma vez, confirmar a realidade que conhecemos, a incapacidade da escola de promover mobilidade social, ou seja, o nível de escolaridade dos pais marca de forma excessiva o nível atingido pelos filhos. A situação sempre assim foi, ainda me lembro de quando era pequeno, haver quem se admirasse dos meus pais, um serralheiro e uma costureira, terem decidido que eu continuaria a estudar.
Acresce que as circunstâncias conjunturais, provavelmente estruturais, que atravessamos permitem considerar a existência de uma mobilidade social descendente ao produzir uma classe de "novos pobres" que tendo anteriormente ascendido a patamares socioeconómicos médios, sentem agora um processo significativo de degradação das suas condições e qualidade de vida. A este contexto, junta-se uma política educativa que parece ter como desígnio a promoção de uma espécie de darwinismo socioeducativo assente em sucessivos processos de selecção e no encaminhamento demasiado cedo para vias alternativas à formação escolar mais habitual o que, evidentemente, não garante equidade nas oportunidades de educação e qualificação comprometendo, assim, a mobilidade social ascendente.
Deste quadro, resulta uma complexa situação que poderemos de forma simplista colocar nestes termos, a escola ao acabar por reproduzir a desigualdade social à entrada, compromete o papel fundamental que lhe cabe na promoção da mobilidade social, ou seja, a escola que deveria ser parte da solução, na prática, corre o risco de continuar a ser parte do problema. No entanto e apesar disto, creio que muito poderá e deverá ser feito no sentido da promoção efectiva da chamada e distante equidade nas oportunidades.
Do meu ponto de vista, muitas vezes afirmado, a questão central é a qualidade na escola pública. Esta qualidade deverá assentar em três eixos fundamentais, a qualidade considerando resultados, processos e gestão optimizada de recursos; segundo eixo, qualidade para todos, a melhor forma de combater os mecanismos de exclusão e a desigualdade de entrada o que exige a existência de apoios adequados e competentes para apoio ao trabalho de alunos e professores; e, terceiro eixo, diversificação dos percursos de educação e formação. Esta diversificação deve passar, e temos registado progressos nesta área, por uma oferta bastante mais variada ao nível do secundário, não antes, possibilitando a muitos jovens completar este nível de ensino com competências profissionais, isto é que é fundamental. Também ao nível do ensino superior, com o trabalho no âmbito do ensino politécnico se criam condições para processos de qualificação mais curtos e mais diversificados, mas sem o recurso à bizarra "meia licenciatura" quando já existem os Cursos de Especialização Tecnológica.
No actual cenário, quando se entende e espera que a educação e qualificação possam ter um papel decisivo na minimização de assimetrias, as políticas, os custos e a dificuldade de acesso a uma escola de qualidade podem, pelo contrário, alimentar essas assimetrias e manter a narrativa, "tal pai, tal filho", pai letrado, filho letrado e pai pouco letrado, filho pouco letrado.
Assim sendo, urge a definição de uma política educativa para o médio prazo, no mínimo, estabelecida com base no interesse de todos, com definição clara de metas, recursos, processos e avaliação.
A continuar na deriva a que nas últimas décadas nos entregamos, daqui a algum tempo a OCDE virá, provavelmente, dizer exactamente o mesmo.