Cordão dunar de S. João da Caparica recuou 20 metros com os últimos temporais
Geólogos da Universidade de Lisboa estão a monitorizar 14 praias da zona de Lisboa e Vale do Tejo para ver se a areia levada pelas ondas do Inverno está a voltar no Verão. Na Caparica, a situação é mais preocupante. Governo promete verbas para suportar intervenções.
Desde 2010 que uma equipa com cerca de 30 especialistas em geologia costeira e geotecnia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa está atenta a esta espécie de “dieta iô-iô”. A pedido da extinta Administração de Região Hidrográfica de Lisboa e Vale do Tejo (integrada na Agência Portuguesa do Ambiente, APA), os investigadores estão a monitorizar 14 praias entre S. Pedro de Muel (Marinha Grande) e Sesimbra (Setúbal), que se estendem ao longo de 180 quilómetros de costa.
Quatro vezes por ano, deslocam-se às praias para recolher sedimentos e assim traçar o respectivo perfil topográfico. Nas praias de S. João da Caparica e do Baleal (Peniche) a monitorização é mais abrangente e inclui também o cálculo do volume de areia. “Queremos ver se o emagrecimento das praias no Inverno está nos valores normais”, explica Cristina Lira, uma das investigadoras. Porque ao contrário do que muitos pensam – e aqui pesa também a falta de memória da população para episódios meteorológicos – é “normal” que as praias percam areia no Inverno. “A areia que foi levada pelas ondas e ficou retida na parte submersa da praia vai voltar no Verão”, explica a especialista em geologia costeira.
O problema é quando a areia não volta na mesma proporção. “Quando o litoral não recebe os sedimentos que deveria [em parte devido à existência de barragens ao longo do curso dos rios, por exemplo], é mais difícil recuperar no Verão”, afirma. Os temporais são outro peso na balança. “Quando há temporais tão frequentes e intensos como os dos últimos dias, a areia avança mais para dentro do oceano e fica em zonas onde a força das ondas não chega para a trazer de volta à praia.” Resultado? As praias não voltam ao tamanho que tinham no ano anterior.
Governo promete mais dez milhões
De todas as praias em estudo na zona de Lisboa e Vale do Tejo, a de S. João da Caparica é a “mais preocupante”, diz Celso Pinto, representante da APA neste programa de monitorização. Segundo ele, a base das dunas em S. João da Caparica, sobretudo na parte mais a sul, recuou 20 metros desde o início do ano. “A frequência dos temporais é superior ao normal e a praia não consegue recuperar”, explica.
Uma das soluções possíveis é a reposição artificial de areia. A alimentação artificial da praia de S. João da Caparica é uma das 303 medidas previstas no Plano de Acção de Protecção e Valorização do Litoral para 2012-2015, cujo valor global de investimento ronda os 300 milhões de euros. Só para esta acção estão previstos 12,3 milhões de euros, dos quais foram já gastos 7,6 milhões de euros.
O ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva, disse ao PÚBLICO que pretende acelerar a execução das medidas em falta e prometeu um investimento adicional de dez milhões de euros para ajudar a costa a recuperar dos estragos provocados pelo mau tempo. Citado pela Lusa, o governante afirmou que estão para breve intervenções – como reposição de areia ou recuperação dos cordões dunares – nas zonas mais vulneráveis como Ovar, Ílhavo, Figueira da Foz, Leiria e Costa da Caparica.
Os resultados provisórios do programa de monitorização levado a cabo pelos geólogos da Universidade de Lisboa vão servir de base para as próximas intervenções na Caparica. "É importante conhecermos os ciclos de recuperação das praias para podermos decidir o que fazer”, nota Celso Pinto. Os dados recolhidos permitem concluir que a reposição de areia já realizada teve “impactos muito positivos”, garante o responsável da APA, acrescentando que “se não tivesse sido feita, os danos [nas últimas semanas] poderiam ter sido muito maiores”. A areia reposta “não desapareceu”, reforça.
Risco resulta da ocupação
Quanto à praia do Baleal, em Peniche, a situação não é tão problemática. Apesar de estar também em erosão, a perda de sedimentos não é acentuada. “Tem um cordão dunar ainda grande e resiliente a eventos meteorológicos extremos”, explica. No entanto, a construção de uma estrada que corta o cordão dunar na zona leste aumentou o risco.
A taxa de recuo médio da linha de costa em Portugal continental é de quatro metros por ano. Isso significa que algumas praias podem desaparecer? Ninguém sabe ao certo. “Sabemos, por exemplo, que o nível do mar deverá subir nos próximos anos [2,3 metros por cada grau Celsius que aumentar a temperatura do planeta, segundo o mais recente estudo do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas] e que o perigo vai ser maior”, avisa Cristina Lira. “A frequência e a intensidade dos temporais deverão aumentar com as alterações climáticas”, acrescenta Celso Pinto.
Mas o perigo só se transforma em risco quando há ocupação humana, e esta tem vindo a aumentar junto ao litoral. Três quartos da população portuguesa vivem perto das zonas costeiras e não faltam restaurantes e bares em cima das praias. “Se os cenários mais negros sobre as alterações climáticas se confirmarem, vai ter de haver um debate público sobre isto”, sugere Cristina Lira, alertando para a necessidade de pesar o custo-benefício das intervenções.
A investigadora aponta o exemplo de França, que em Fevereiro de 2010 foi assolada por uma forte tempestade. Morreram 47 pessoas. O fenómeno, que ocorreu pouco depois de um forte temporal na Madeira, obrigou à retirada de dez mil pessoas das suas casas. Algumas cidades costeiras, no Norte do país, ficaram completamente inundadas e as seguradoras estimaram os prejuízos em mais de 157 milhões de euros, segundo a imprensa. O Governo francês percebeu que ficaria mais caro requalificar a zona do que indemnizar os proprietários e mandou demolir 1510 casas nas zonas afectadas.
"Quando o custo começar a ser maior do que o benefício, a solução pode ser abandonar a zona e recuar", observa Cristina Lira. No entanto, o plano governamental gerou polémica e acabou por não se concretizar, face à pressão dos proprietários e dos autarcas locais.