Os touros de Sacha numa galeria cheia de porcelanas Vista Alegre em Paris
Uma colecção de 12 minotaures únicos, assinadas pelo designer francês Sacha Walckhoff, está na Galerie Gosserez para marcar a entrada das porcelanas portuguesas nas peças de autor.
Desde a concorrida inauguração, há uma semana, cerca de metade da colecção já foi vendida - os preços destas peças pintadas à mão oscilam entre os 4200 e os 5500 euros. Era uma noite de estreia para Sacha Walckhoff, que pela primeira vez desenha em nome próprio, e começou com algumas peças já arrematadas e com nomes da moda e do design como Maurizio Galante e Tal Lancman em torno das 12 peças da colecção Minotaures.
E esta é uma espécie de história de amor porque o designer francês, que desde 2010 é o director criativo da versão pronto-a-vestir da Lacroix, está com a Vista Alegre desde que a conheceu, tendo já criado duas colecções de porcelana de mesa para a empresa portuguesa no âmbito de uma parceria de cinco anos. Agora, decidiu estrear-se no design de objectos em nome próprio depois de “um crush”, como descreve ao PÚBLICO, de uma paixão pelo Touro Domecq, uma peça histórica da Vista Alegre que não esqueceu desde que a viu na fábrica de Ílhavo – “a Limoges portuguesa”, segundo a importante Galerie Gosserez, que co-produz com a Vista Alegre estes Minotaures.
Como explica Nuno Barra, director de marketing e de desenvolvimento de novos produtos da Vista Alegre, este evento parisiense e esta colecção em porcelana biscuit branca e ocasionalmente pintalgada a negro (cada peça demorou cinco dias a pintar) é a “oficialização da entrada da Vista Alegre noutro tipo de sector”. Peças de galeria, únicas, fruto de trabalho directo entre uma galeria e um artista para criar uma submarca ligada à arte, “uma nova área de negócio”. Oficialização porque em 2013 foram feitas duas outras experiências, uma com a portuguesa Joana Vasconcelos, outra com os designers libaneses David/Nicolas.
Os visitantes, muitos, rodeiam quase perigosamente as peças, delicadas por natureza, fortes por evocação. A galerista Marie-Bérangère Gosserez, cujo currículo inclui o negócio de antiguidades e vários anos na leiloeira Christie’s de Paris, considera “muito poéticas” estas 12 peças que estão “entre o design, a arte e o artesanato”. “Quando pensamos em ‘minotauro’, pensamos em algo forte, mas estas peças são suaves e silenciosas. Gosto desse contraste entre algo muito minimalista e algo muito realista”, diz ao PÚBLICO Gosserez, que identifica um lado autobiográfico nas peças - que o designer assume.
“É uma coisa completamente diferente do meu trabalho diário”, diz o director criativo da Lacroix, e de forte inspiração surrealista. “O movimento surrealista é uma parte muito forte da História de Arte para mim. Os meus artistas preferidos são desse período – Picasso, claro, mas também Cocteau, Magritte… Havia uma revista nos anos 1930, feita por André Breton, chamada Minotaure. Um elemento mitológico que fascina gerações, uma mistura de instinto animal e de intelecto. Aqui é só o touro, mas o homem sou eu e eu faço parte das peças”, sorri.
Marie-Bérangère Gosserez completa a interpretação das peças: nestes três modelos, quatro de cada tipologia (um touro que entra e sai de um cilindro de fina porcelana, um touro que sai parcialmente desse vaso, três cabeças de touro que ladeiam outro cilindro), “acho que Sacha quer dizer que não é prisioneiro da moda ou de outras expressões artísticas”.
A galeria, fundada em 2010 e especializada na criação de design de mobiliário contemporâneo, tornou-se num pólo interessante do design parisiense, produzindo e distribuindo com exclusividade trabalhos com jovens designers e consagrados como Eric Jourdan.
A Vista Alegre, vista de Paris, tenta ganhar prestígio num mercado competitivo e afectivamente proteccionista como é o francês, que valoriza a sua própria tradição nas porcelanas. A ligação entre galeria e Vista Alegre foi feita por Sacha Walckhoff, que elogia a facilidade com que tudo se articulou em Portugal, “de forma livre, por nada”, e que lembra sempre o
Touro Domecq, “um pouco kitsch" na sua relva verde e na sua pequena vitrine. "Propus à Vista trabalhar nele, torná-lo mais contemporâneo, mais moderno, de o abordar como um designer. Tivemos de o modificar, livrando-nos da base, cortámo-lo e adaptámo-lo àqueles grandes cilindros para tornar um objecto de vitrine em algo útil – uma jarra, um candelabro, um prato. É uma espécie de gesto que diz muito sobre o que sou. E agora quero que tenham a sua própria vida.”