Tribunal indeferiu providência cautelar e autoriza leilão da colecção Miró em Londres
A juíza Guida Jorge indeferiu o "decretamento provisório da providência pedida" e nas conclusões do documento de 19 páginas em que dá a conhecer a sua posição, redigido durante a noite de ontem para hoje, lembra que a decisão de alienação das 85 obras do pintor catalão não foi tomada pelo Estado e sim pelo conselho de administração da Parvalorem, sociedade cujo único accionista é o próprio Estado, criada no âmbito do Ministério das Finanças para recuperar créditos do BPN e que é proprietária das obras.
Assim sendo, explica o documento, "não estamos perante uma decisão administrativa, mas sim um acto de gestão de uma sociedade anónima alheio ao uso de qualquer poder de autoridade pelo que não pode tal acto ser imputado à primeira entidade requerida, o Ministério das Finanças". Em conclusão, sublinha-se ainda que o tribunal não pode emitir "qualquer ordem dirigida a qualquer membro do Governo relativa à forma de exercício dos seus poderes da sua função accionista".
Quanto à Secretaria de Estado da Cultura (SEC), a segunda entidade requerida no pedido de suspensão da venda das obras de Miró apresentado pelo Ministério Público, a decisão veio confirmar o que o PÚBLICO noticiou - que o acervo do BPN que está em Londres à espera de ser hoje leiloado saiu ilegalmente do país. "O despacho da autoria do senhor secretário de Estado da Cultura de 31/01/2014 que declara extintos os procedimentos administrativos de autorização de expedição das obras é manifestamente ilegal, permitindo a concretização da venda das obras na data anunciada, não obstante a ilicitude da sua expedição (...), ilicitude esta que é reconhecida por este membro do governo" - o documento assinado por Barreto Xavier, que consta da decisão de 19 páginas da juíza, termina já com a identificação do "ilícito contra-ordenacional" que representou o não cumprimento do prazo de pedido de autorização de expedição.
Apesar de tudo isto, a venda do fim do dia continua confirmada, dizendo ainda a juíza que "não é necessário argumentação sofisticada para concluir que a realização do leilão pela leiloeira Christie's das obras de Joan Miró comprometeria gravemente o cumprimento dos deveres impostos" pela Lei de Bases do Património "e reduziria a nada a concretização dos deveres de protecção do património cultural".
A juíza destaca em primeira lugar, como relevo para a sua decisão, os seguintes factos: "Não foi ordenada a abertura de um procedimento administrativo de inventariação e classificação de qualquer das 85 obras".
Nas seis conclusões que o documento estipula, diz-se ainda que "não se verifica a impossibilidade de o Estado classificar as obras em questão", uma vez que as sociedades gestoras do património nacionalizado do BPN - a Parvalorem SA e a Parups SA - não comprovaram a importação e admissão das 85 obras há menos de dez anos nem a Secretaria de Estado da Cultura tem nos seus arquivos quaisquer documentos relativos à admissão deste conjunto. A decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa faz notar ainda que "a segunda requerida [a SEC] não possui competência para impedir a venda das obras em causa".
No despacho da juíza, lê-se ainda que a providência cautelar do Ministério Público que está na origem desta decisão "não determina, porém, o mais leve dano para o interesse público. Pelo contrário, apenas contribui para a salvaguarda do interesse público".
A providência cautelar
O Ministério Público tinha pedido na segunda-feira, junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, que a venda da colecção Miró do Banco Português de Negócios fosse suspensa na sequência de uma exposição de cinco deputados do Partido Socialista (PS) à Procuradoria-Geral da República (PGR).
A PGR, após ponderar a exposição apresentada por um grupo de deputados, e ao abrigo das suas competências no âmbito dos Tribunais Administrativos, deu entrada a uma providência cautelar com vista à suspensão da venda do acervo de obras de Miró.
A exposição era assinada por cinco deputados do PS, Gabriela Canavilhas, Inês de Medeiros, José Magalhães, Pedro Delgado Alves e Vitalino Canas, a pedir a suspensão da venda destas pinturas, desenhos e colagens do artista catalão, com que o Estado português espera fazer 35 milhões de euros.
As 85 obras de Joan Miró que têm leilão agendado para esta terça e quarta-feira na Christie’s estão nas mãos do Estado desde a nacionalização do BPN. Entre pinturas, desenhos, colagens e guaches, a colecção está avaliada pela leiloeira em 35 milhões de euros – foram compradas em 2006 pelo banco então gerido por José Oliveira Costa a um coleccionador japonês por 34 milhões de euros e a colecção é descrita pela Christie’s como “uma das mais extensas e impressionantes ofertas de trabalhos do artista que alguma vez foi a leilão”.
O PÚBLICO tentou já ouvir a directora-geral do Património Cultural, Isabel Cordeiro, assim como o gabinete jurídico desta instituição responsável pela emissão de um parecer contrário à expedição das obras, mas tal não foi ainda possível. O secretário de Estado, Jorge Barreto Xavier, também não esteve, até agora, disponível para comentar a decisão do tribunal.
O Ministério Público também não comenta a decisão judicial divulgada esta manhã e, segundo a responsável pela comunicação da Procuradoria Geral da República, Sandra Duarte, "continuará a analisar o processo".