Com quatro biliões nas mãos mas a olhar para o desemprego
Janet Yellen é, desde este sábado, a nova presidente da Reserva Federal norte-americana. Recebe de Ben Bernanke a difícil tarefa de retirar os estímulos monetários dados à economia nos últimos anos sem desencadear nova crise.
É que os quatro biliões de dólares que Yellen tem de gerir representam todo o dinheiro que a Fed decidiu criar para evitar a queda da economia norte-americana e constituem agora, numa altura em que se ensaia a recuperação, o foco da principal discussão económica do planeta. Para alguns, são um enorme excesso que é preciso começar rapidamente a reduzir para evitar que se formem novas bolhas especulativas e a inflação dispare. Para outros são um estímulo necessário e talvez mesmo ainda insuficiente para impedir que a economia norte-americana caia na mesma armadilha da deflação que afundou o Japão nos anos 90.
Aquilo que a Fed decidir fazer irá determinar em larga medida a evolução dos cotações das bolsas, das taxas de juro, da taxa de inflação e de muitos outros indicadores económicos em todo o mundo. Nos últimos meses, no final do mandato de Ben Bernanke, a Fed optou por começar aos poucos a reduzir o ritmo a que estava a realizar compras de activos nos mercados (a forma encontrada de injectar dinheiro na economia). Até aqui fazia compras de 85 mil milhões de dólares ao mês, mas em Dezembro reduziu esse montante para 75 mil milhões e na semana passada para 65 mil milhões. E os impactos no exterior dessa pequena medida progressiva não se fizeram esperar.
Os investidores, perante a perspectiva de uma redução da liquidez oferecida pela Fed, começaram a retirar os seus fundos de economias emergentes, provocando quedas nas divisas mais frágeis, onde a percepção de risco é maior, como a argentina ou a turca. O cenário de uma crise nos mercados emergentes semelhante à vivida na Ásia no final do século passado não está colocada de parte.
Esta imediata reacção negativa nos mercados emergentes ao início ainda tímido da retirada de estímulos da Fed mostra bem a dificuldade da tarefa que Janet Yellen herdou de Ben Bernanke e a responsabilidade que foi assumida por esta economista de 67 anos.
Focada no desemprego
Numa coisa todos concordam, dificilmente se encontraria alguém com mais experiência e currículo para desempenhar a tarefa do que Janet Yellen. É uma veterana do sistema da Reserva Federal nos Estados Unidos, onde ocupou diversos cargos desde os anos 70, incluindo a vice-presidência nos dois últimos anos. Foi líder da equipa de conselheiros económicos de Bill Clinton. Tem uma carreira de topo a nível académico com estudos em diversas áreas da economia. É casada com o prémio Nobel da economia de 2001, George Akerlof. E todas as pessoas que com ela trabalharam na Fed garantem que tem uma grande capacidade para gerar consensos (essencial já que o comité que decide a política monetária é um órgão colegial), mas também para tomar decisões. Que decisões serão essas, é aquilo que nos mercados agora se tenta adivinhar.
A ideia geral é de que Janet Yellen, na eterna disputa entre “falcões” e “pombas” na Reserva Federal vestiu na grande maioria das vezes a pele de “pomba”. Ou seja, foi menos rígida no combate à inflação, apoiando uma política monetária mais procupada com os dados do crescimento e do emprego.
Em 1995, declarou que “deixar ocasionalmente a inflação subir mesmo quando está acima do objectivo pode ser uma política sábia e humana”, uma frase que lhe chegaria para garantir, por si só, um lugar no campo das “pombas” durante várias décadas.
Aliás, juntar a palavra “humana” à definição de uma boa política monetária é uma característica que a nova presidente da Fed partilha com poucos banqueiros centrais. Isso e o que parece ser uma colocação do desemprego no centro das suas preocupações.
Alan Blinder, ex-vice-presidente da Fed, contou, em declarações ao National Journal, o que diz ser um exemplo da “procupação visceral” de Yellen com o desemprego. “"Ela passou grande parte a sua carreira a estudar porque é que o desemprego se mantém alto. Lembro-se de uma conversa na Fed nos anos 90, quando eu era o vice-presidente e ela governadora. Tínhamos conseguido evitar que a Fed subisse muito as taxas de juro e ela disse: se calhar salvámos 500 mil pessoas de ficarem no desemprego”. Outro colega de Yellen na Fed, John Williams, diz que “para ela [o desemprego] não é apenas uma abstracção e se o tentas tratar demasiado como uma abstracção ao pé dela, ela reage”, afirma.
Em declarações recentes, a própria Yellen descreveu o desemprego de longa duração como algo que “é devastador para os trabalhadores e as suas famílias”, com “um peso que é simplesmente terrível na saúde fisica e mental dos trabalhadores”. E já depois de ter sido nomeada por Barack Obama para a presidência da Fed, disse em relação às políticas de estímulo da Fed à economia e ao emprego que “embora tenhamos tido progressos, ainda temos um caminho a percorrer”, defendendo que o papel da Fed não é só manter o dólar saudável mas também “servir todos os americanos [...] garantindo que toda a gente tem a possibilidade de trabalhar arduamente e construir uma vida melhor”.
Estas declarações de Yellen e o historial de decisões na Fed fazem adivinhar que, com ela ao leme, será mais difícil ver a política monetária norte americana passar abandonar muito rapidamente o papel intervencionista e expansionista que tem tido desde 2008 até agora.
Yellen deverá, com toda a probabilidade, querer ser muito cuidadosa na redução do balanço da Fed dos actuais mais de 4 biliões de dólares para os menos de um bilião que se registavam antes da Grande Recessão. Pelo menos enquanto a taxa de desemprego nos EUA – que desceu de um máximo de 10% no auge da crise para os actuais 6,7% – não cair para o nível médio nos EUA na últimas décadas.
Quem avisa que essa redução de estímulo é indespensável para evitar a criação de uma nova bolha especulativa no mercado e de pressões inflacionistas nos mercados deverá ficar preocupado. Mas se estes economistas não tiverem razão, Janet Yellen pode dizer no fim que salvou mais alguns mihões de pessoas do desemprego. Não só nos EUA, mas em todo o mundo.