De como o académico Bernanke se tornou o iconoclasta patrão da Fed

Nunca mais ninguém caracterizará Ben Bernanke como brando ou ingénuo.

No momento em que se prepara para concluir, no fim deste mês, o seu mandato de oito anos à frente do banco central americano, Bernanke é uma das figuras mais importantes do actual Governo dos Estados Unidos. Poucos se demonstraram mais corajosos no confronto com uma crise, os seus talentos políticos estavam subestimados e, aos 60 anos, este estudioso da Grande Depressão é tão brando como o ferro fundido.

“Será a história a julgar a eficácia de todas as inovações que ele introduziu mas, pessoalmente, acho que a sua liderança foi brilhante”, diz Josh Bolten, chefe de gabinete de Bush. “Conduziu a Fed para territórios novos mas onde, provavelmente, tinha mesmo de estar.”

“É um dos melhores funcionários públicos que alguma vez conheci”, afirma Barney Frank, ex-representante do Massachusetts e um democrata liberal que esteve 32 anos na câmara e foi um dos autores da reforma financeira Dodd–Frank. “Teve razão durante a crise, demonstrou ter toda a razão sobre o alívio quantitativo e a tónica no emprego, está a abrir a Fed ao exterior e cooperou com as reformas.”

Mas os elogios não são unânimes. A intervenção sem precedentes da Fed na economia sob a direcção de Bernanke é arrasada por alguns políticos de direita, como o senador Rand Paul, do Kentucky, e criticada por alguns importantes economistas conservadores. À esquerda, críticos como a senadora Elizabeth Warren, do Massachusetts, louvam a sua liderança durante a crise, mas dizem que não fez o suficiente no seu rescaldo para refrear o poder dos grandes bancos de Wall Street. As cinco maiores instituições bancárias da actualidade têm mais activos totais que há seis anos.

No entanto, poucos contestam que as medidas ousadas, decisivas e, por vezes, experimentais de Bernanke em 2008-09 salvaram a economia global.

“O mantra de Bernanke: custe o que custar”, escreveu David Wessel no seu livro In Fed We Trust: Ben Bernanke’s War on the Great Panic. Ele “não quis ficar na história como o presidente da Reserva Federal que vacilou e adiou no meio de uma onda de pânico financeiro que ameaçou a prosperidade americana”.

Quando a economia global cambaleou, e com o seu conhecimento ímpar dos erros cometidos durante a Depressão, abriu as torneiras do crédito, reduziu as taxas de juro a zero e resgatou grandes instituições financeiras. Mais uma vez com os anos 1930 em mente, dispôs-se a fazer experiências, muito à semelhança de Franklin D. Roosevelt; algumas medidas funcionaram, outras não.

Este académico supostamente ingénuo foi de uma notável capacidade de persuasão e conseguiu que o Congresso concordasse com uma maciça intervenção governamental. E convenceu alguns dos seus mais relutantes colegas da Fed a formar uma frente bastante unida.

Após o colapso, desempenhou um papel importante na definição de reformas bancárias e financeiras. Seguiu o conselho da hábil porta-voz do banco central, Michelle Smith, e adoptou uma maior transparência nas suas políticas, explicando-as melhor ao público e mantendo até conferências de imprensa periódicas.

Enquanto os EUA se esforçavam por recuperar, Bernanke manteve o pé no acelerador. Com taxas de juro a zero, limitando a actividade monetária, promoveu o alívio quantitativo e a compra de títulos de longo prazo para estimular a economia.

Esta abordagem controversa parece ter sido moderadamente bem-sucedida, originando um crescimento mais rápido sem inflação. Quando o presidente anunciou, no mês passado, que o banco iria começar a reduzir as suas compras de activos, a reacção inicial do mercado foi positiva, embora alguns especialistas continuem a pensar que a transição será difícil.

No momento em que Bernanke completa a sua comissão de serviço, eis o quadro: um sistema financeiro que recuperou a saúde; uma economia a recompor-se e mais forte do que as europeias e outras; uma das suas principais apostas, Janet Yellen, a suceder-lhe na presidência; e o seu professor e mentor Stanley Fischer a ocupar o lugar de vice-presidente da Fed. E nunca mais ninguém caracterizará Ben Bernanke como brando ou ingénuo.

Colunista da Bloomberg View

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