Bolseiros viraram as costas aos deputados no Parlamento
Discussão na Assembleia da República sobre petição lançada pela Associação dos Bolseiros de Investigação Científica sobre a política científica.
A petição lançada a 1 de Agosto de 2013 incidia sobre quatro pontos: a abertura do concurso individual de bolsas; a manutenção ou reforço das bolsas atribuídas; a não introdução de regras de exclusão aos candidatos; e uma maior protecção da carreira científica com contratos de trabalho para os cientistas, em vez de bolsas.
Quase seis meses depois da sua entrega, a petição serve agora como uma oportunidade para o Governo “inverter o discurso de que está tudo bem na ciência”, disse ao PÚBLICO André Janeco, bolseiro e presidente da ABIC. “Neste momento, não existem soluções para as pessoas que ficaram de fora do concurso de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento”, refere.
Nos resultados do concurso de 2013, divulgados em meados de Janeiro de 2014, dos 3433 candidatos a bolsas de doutoramento, só 298 a conseguiram. Tendo já em conta as bolsas atribuídas nos novos programas de doutoramento, foram dadas ao todo 729 bolsas de doutoramento. Nas bolsas de pós-doutoramento, apenas 233 candidatos dos 2319 foram financiados.
O PCP aproveitou o debate desta quarta-feira para apresentar o projecto de Lei nº 496/XII/3.ª para que “sejam atribuídas bolsas [individuais de doutoramento e pós-doutoramento] até o mínimo de 2012”, disse a deputada Rita Rato, que lançou o debate no Parlamento. Em 2012, foram atribuídas 1198 bolsas de doutoramento e 677 de pós-doutoramento.
“À boleia desta petição, o PCP cola-se [com um projecto de lei] para ficar melhor nesta matéria”, respondeu Nilza de Sena, deputada do PSD. “É preciso não fazer uma tempestade num copo de água”, disse depois, desdramatizando o facto de 5000 candidatos terem ficado sem bolsa e acrescentando que sem a aposta da FCT numa rede de laboratórios, em projectos de investigação, então não valeria a pena atribuir bolsas individuais.
Já Catarina Martins, deputada e coordenadora do Bloco de Esquerda (BE), referiu que se há ciência em Portugal é porque existem cientistas: “Ouvir a deputada Nilza de Sena e Miguel Seabra [presidente da FCT] faz-nos acreditar que é possível fazer ciência e investigação sem cientistas e investigadores.” Para a socialista Elza Pais, o Governo repete agora na ciência “a obsessão ideológica de empobrecimento do país”.
Mas Michael Seufert, deputado do CDS-PP, explicou que o que se passa é uma aposta política “nos programas doutorais, nos projectos”, e que esta é uma “opção legítima”.
Quando a discussão, que durou menos de meia hora, terminou, as dezenas de bolseiros que estavam sentados nas galerias do Parlamento levantaram-se e puseram-se de costas para o hemiciclo. Cerca de cinco minutos depois, saíram e o plenário continuou.
Queixa à Europa
Quando há 15 dias se ficou a conhecer o resultado do concurso de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento da FCT, que pôs o país a discutir o estado da ciência portuguesa, isso motivou uma manifestação de bolseiros em Lisboa e obrigou uma ida à Assembleia da República do ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, e de Miguel Seabra. Na próxima sexta-feira, Crato vai voltar à Assembleia da República para ser ouvido na Comissão de Educação, Ciência e Cultura sobre os concursos de atribuição de bolsas da FCT e a política científica, devido a requerimento potestativo do BE. Alguns painéis de avaliação do concurso queixaram-se sobre a forma como a avaliação das candidaturas foi conduzida.
Os esforços da ABIC para apoiar os candidatos vão continuar. “Estamos a pensar apresentar à Comissão Europeia uma denúncia deste concurso, que contou com dinheiros europeus”, explicou André Janeco ao PÚBLICO. Segundo o presidente da ABIC, o concurso não tem em conta a Carta Europeia dos Investigadores, não subscrita pela FCT. Em que é que o concurso desrespeitou essa carta? “Na transparência e em não definir previamente o número de vagas de disponível”, exemplificou André Janeco.