No epicentro da “nova guerra fria árabe”
Às “primaveras árabes” e à ideia de rápida democratização, seguiu-se a tese da islamização . Fala-se agora na “nova guerra fria árabe”.
Em relação ao nuclear, é apenas o início de um espinhoso processo negocial. Barack Obama reconheceu “não ter ilusões” sobre a possibilidade de um acordo final no prazo de seis meses. Os ocidentais querem garantias de que o Irão não alcançará o chamado “patamar nuclear”, ou seja, a capacidade de passar ao nuclear militar se um dia o entender fazer.
Por outro, como explicou há dias o analista George Petrovich, “pedir ao Irão enriquecimento zero é senso zero”. Teerão aguarda também o levantamento de algumas sanções. Obama terá de medir forças com os “falcões” do Senado, que tudo farão para torpedear o acordo final. “Os ocidentais ainda estão em posição de força mas não é aconselhável esticar demasiado a corda”, diz um analista francês.
Teerão não ficará ofendida se não for à Suíça. Sabe que, no actual estado do conflito e da conferência, o seu papel é vital para o êxito de qualquer negociação. Pode esperar.
Os originais objectivos da negociação, desenhados durante a euforia das “primaveras árabes”, passavam por um regime de transição e pelo o afastamento de Assad visando a criação de uma democracia pluripartidária. Hoje a meta real é menos ambiciosa: obter um cessar-fogo para parar o morticínio, salvaguardar a unidade do Estado sírio e a estabilidade regional. Para quase todos é vital travar o contágio do terrorismo jiahdista e da Al-Qaeda, que se já projecta sobre o Iraque e o Líbano. Por isso, “estabilidade” é a palavra mágica. Assad está hoje numa posição mais sólida. As expectativas são prudentemente baixas.
“O novo paradigma”
A nota mais interessante diz respeito ao quadro em que hoje se inserem tanto o nuclear iraniano como a guerra síria. Vários analistas têm procurado sistematizar as rápidas mudanças que a região atravessa, na sequência das “primaveras árabes” mas remontando à ocupação americana do Iraque.
A italiana Ruth Hanau Santini sublinha a falência dos “anteriores paradigmas” que rapidamente se mostraram inadequados à leitura da realidade. “Primeiro foi a retórica da rápida democratização (...). Depois a narrativa da islamização dos regimes árabes.” Agora, muitos investigadores falam agora numa “nova guerra fria árabe” — embora o Irão e a Turquia não sejam árabes — de que a Síria seria o epicentro e o sangrento campo de batalha.
O analista americano Vali Nasr traçou num livro premonitório (The Shia Revival, 2006) o contraste entre o “antigo Médio Oriente” e o “novo Médio Oriente”. O eixo desta “nova guerra fria” já não é ideológico como nos anos 1950-60, com a rivalidade entre o Egipto de Nasser e as monarquias lideradas pela Arábia Saudita. O conflito israelo-palestiniano passou a ser um factor secundário na desordem regional. O novo eixo é o antagonismo entre iranianos e sauditas no quadro da prova de força geral entre o mundo sunita e o xiita na disputa da hegemonia regional. Assad tem como principal aliado o Irão (e o xiita Hezbollah libanês) e é apoiado por Moscovo. No campo oposto, dominam a Arábia Saudita, o Qatar e a Turquia — que não é árabe mas é sunita. As potências ocidentais — pouco coordenadas entre si — têm uma capacidade de influência limitada e procuram não ficar reféns de nenhuma das partes.
Ahmet Davutoglu, ministro turco dos Negócios Estrangeiros, fala na voragem da História. Reconheceu em Novembro passado, num colóquio da Brookings Institution em Nova Iorque, que a sua política regional foi varrida por essa voragem. Em vez de amainar, “a vaga da História acelera-se. (...) O mundo continua à procura de novos equilíbrios. (...) Eu próprio sou um escravo desta vaga da História.”
A vertigem dos acontecimentos, a multiplicidade de actores e interesses e a limitação da influência americana criam um tipo de caos que dificulta a resolução da guerra síria — que de civil passou a regional. A dificuldade é tanto maior quanto a negociação Genebra II não foi uma iniciativa interna síria, de duas facções que teriam chegado à conclusão de que uma vitória militar era impossível, nem sequer dos respectivos aliados — sejam iranianos ou sauditas — mas das potências ocidentais, da Rússia e da ONU, que querem pôr termo a um conflito mortífero e politicamente “tóxico”.