Activistas não acreditam que referendo chegue a acontecer
Até ao último momento, houve quem esperasse a desobediência à disciplina de voto imposta na bancada do PSD.
Assumiu-se como uma mulher doente, com um carcinoma invasivo da mama, mãe de duas crianças, de nove e 11 anos, que está a criar com outra mulher, a quem o Estado não reconhece estatuto de mãe. Na condição de quem teme o futuro dos filhos, pediu aos deputados que avançassem com a co-adopção – a carta está no site da Ilga Portugal, organização da qual faz parte.
Não ficou surpreendida com a vitória da proposta social-democrata. Os 24 deputados do CDS iriam abster-se, mas a bancada do PSD tem 108 deputados e a esquerda, toda junta, 98. A esperança era haver no PSD quem quebrasse a disciplina de voto. E esperou até ao último momento. “Esperei até ao último momento que houvesse um sentimento mínimo de decência.”
As contas parecem-lhe fáceis de fazer. A proposta foi aprovada com 103 votos do PSD. Ora, somando os 92 votos da esquerda com os 13 do PSD que votaram sim declarando querer votar não, e um do PP que se absteve querendo opor-se, obtém-se 108. Não foi a representatividade parlamentar que ditou o referendo, “foi a imposição de voto”, e isso, diz, “não é democracia”.
Não está feliz, nem imagina que alguém possa estar. Pergunta-se: quem pode celebrar um referendo destinado a determinar se a família das suas crianças deve ser reconhecida? A ideia parece-lhe tão “estapafúrdia” que nem acredita que chegue à prática. “Acredito que o Tribunal Constitucional vai parar este processo insano e acredito que os deputados do PSD também acreditam nisso. Acho que este referendo é uma estratégia para que a co-adopção não seja aprovada.”
Sérgio Vitorino, das Panteras Rosa – Frente de Combate à Lesbigaytransfobia, também não deposita fé no referendo. “Querem pôr o país a falar de adopção e co-adopção enquanto aprovam medidas gravosas”, avalia, remetendo para decisões judiciais que podem ser tidas em conta pelo Tribunal Constitucional, a entidade que tem a última palavra sobre a realização de referendos no país.
Já este ano, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos condenou o Governo da Áustria por impedir a adopção num casal do mesmo sexo em que apenas a parentalidade de uma das pessoas estava reconhecida. O outro membro do casal também teria direito de adoptar a criança, senão estar-se-ia a violar a Convenção Europeia dos Direitos Humanos – o artigo 14 (proibição da discriminação) em conjugação com o artigo 8 (direito ao respeito pela vida privada e familiar). Portugal é citado como um dos exemplos de países nos quais esta violação ocorre.
Ana Cristina Santos, da Não te Prives, tem a mesma expectativa. Permanecia incrédula horas depois de ter assistido, pela televisão, à votação: “Os deputados e as deputadas estão lá não para representar uma maioria, mas para representar todas as pessoas, e as pessoas são diversas.” Valendo-se de alguma ingenuidade, esperou até ao fim por uma acção de desobediência.
“A disciplina de voto não pode implicar o sacrifício de direitos humanos”, defende. O referendo junta duas realidades distintas: “O que está em causa, na lei da co-adopção, não é a adopção de crianças que estão em instituições, é saber se crianças que têm família têm direito a que a sua família seja reconhecida”. E a protecção dos direitos dessas crianças, na sua opinião, merecia que os deputados actuassem de acordo com as suas convicções.
A Associação Rumos Novos – Homossexuais Católicos emitiu um comunicado, considerando lamentável o corrido de declarações de voto: “Estar do lado da co-adopção por casais do mesmo sexo não é ser de direita nem de esquerda. É ser justo, humano e correcto. É estar do lado certo da barricada.”