Vida pública e vida privada
Não me espantaria se o affaire Gayet acabasse por trazer mais vantagens do que desvantagens à popularidade de Hollande.
A Europa continental sempre torceu o nariz, com um certo ar de superioridade, à forma como nos países anglo-saxónicos a vida privada dos políticos era exposta nos jornais. E todos nós temos memória de inúmeros excessos, cujo pináculo terá sido a exibição da vida sexual de Bill Clinton até ao pormenor do charuto e da nódoa no vestido de Monica Lewinsky, no final dos anos 1990. Queremos isso? Não queremos. Aliás, a mesma revista Closer que agora revelou a nova aventura de Hollande foi processada em 2012 pela família real britânica por ter mostrado fotos de Kate Middleton durante as férias em topless. Queremos isso? Embora a duquesa de Cambridge não tenha nada de que se envergonhar, não queremos.
Mas tal não significa que o contrário disso seja propriamente estimável, ou seja, que uma espécie de pacto de silêncio entre as altas figuras do regime e os jornalistas em relação a certos temas privados e aventuras extraconjugais assegure uma democracia mais saudável. Por uma dupla razão. Em primeiro lugar, porque ao fazê-lo estamos a conferir um privilégio a certas figuras do poder quando o negamos a outras – as estrelas do cinema, da televisão, da música ou do desporto têm de aceitar uma vida de perseguição pelos paparazzi enquanto os políticos a rejeitam liminarmente (o que em França trouxe grandes benefícios a figuras como François Mitterrand). Em segundo lugar, porque é uma hipocrisia tremenda aceitar que um político ande a exibir a família em plena campanha eleitoral, a abrir as portas de sua casa às revistas sociais, a promover uma certa intimidade e empatia com o eleitorado, para depois se vir queixar de que a sua esfera privada foi invadida de forma ilegítima por uma publicação.