Auditoria sim, mas a gosto

No universo de centenas e centenas de milhares de inquéritos-crime, a violação ocorre numa percentagem insignificante. Penalmente, o seu relevo é pouco mais que diminuto.

O crime é protestado, sempre falado na comunicação social, quando personagens da política, da finança ou de outros sectores relevantes estão envolvidos no processo. Como suspeitos ou arguidos. A violação do segredo, ou sua suposta violação, serve também para desviar atenções públicas da corrupção, branqueamento, tráficos de influência, fraudes da mais variada natureza. Num ápice, já se não fala dos crimes, antes desse mal terrível, desse magno delito que é a violação do segredo de justiça. Que se não absolve, nem se justifica. Mas que tem de ser colocada no seu lugar.

A procuradora-geral da República (PGR) ordenou uma auditoria que devia abranger um vasto universo de processos onde tal segredo terá sido violado. A “equipa”, constituída por um magistrado e um funcionário, produziu um trabalho minucioso, rigoroso. Merece atenção, estudo igualmente rigoroso. A responsabilidade das propostas e conclusões da auditoria cabe ao magistrado. Não à PGR. Pode não se apreciar o desempenho desta. O que se não pode é responsabilizá-la pela auditoria que não fez, nem dirigiu.

A ministra da Justiça pronunciou-se. Com aquele à-vontade e linearidade dos políticos. À ministra da Justiça inquire-se se há alguém neste país, no âmbito da justiça e do jornalismo, que pretenda restringir a liberdade de pensamento e expressão.

Na auditoria, ninguém defende ou teoriza sobre uma tal limitação.

Retiram-se daquela vários aspectos, salientando-se:
1. A investigação de tais crimes constitui um simulacro de investigação. Por desinteresse, falta de meios adequados e porque o magistrado que investiga é ele próprio suspeito. Foi ele que dirigiu a investigação onde o crime, por hipótese, se cometeu. 
Deferir a investigação para o superior hierárquico daquele é limpidamente uma medida equilibrada. Afasta suspeitas.

2. Os Órgãos de Polícia Criminal (OPC) são, muitas vezes, autores de crimes dessa natureza. Ânsia de mediatismo, concorrência entre si, mostrar serviço.
Devem submeter-se à lei e deixar a tarefa de comunicação de matérias processuais a quem tem competência legal para o efeito: o Ministério Público.

3. A liberdade de imprensa, da comunicação social. Aí se joga muito da liberdade, do Estado de direito. Estado sem liberdade de expressão, sem liberdade de imprensa, sem uma comunicação social livre, não é de direito, mas totalitário.
A auditoria não propõe nenhuma medida a abolir ou estorvar a liberdade de imprensa. Nem isso seria pensável. O que propõe, na sua contextualização, é coisa bem diferente. Que as escutas sejam alargadas a jornalistas suspeitos do crime de violação do segredo. Na óptica de que o direito e dever de informação, ele também, é exercido segundo a lei. Que os jornalistas não estão fora de lei. Há aí alguém que tenha dúvidas sobre isso?

A proposta é ousada  e bem “perigosa”. Quem a faz sabe disso. Não se pode nunca tocar em certos sectores muito sensíveis dos seus direitos! É só uma proposta de quem dirigiu a auditoria. Os que ora se revoltam acantonaram-se no seu “santuário”, sem sequer se dignar participar no debate para que foram chamados.

As escutas telefónicas são extremamente invasivas. A utilizar em crimes graves. Requerem procedimentos complexos.
O crime de violação do segredo de justiça não fundamenta ou justifica tais meios violentos de aquisição de prova. Tal crime é de pouca ressonância penal.

É bem verdade o que, há dias, o PÚBLICO escrevia: “A liberdade vale mais do que o segredo.” Muito mais.

Procurador-geral adjunto
 

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