Reforma do IRC sem acordo com PS nem coordenação dentro da maioria
Os socialistas pretendiam fazer depender uma futura revisão do IRC da revisão simultânea do IVA e IRS. Deputados da maioria PSD/CDS tinham convencido Passos a aceitar, mas Marques Guedes fechou a porta.
Em causa estava uma norma que o PS pretendia estabelecer para fazer depender uma futura revisão do IRC da revisão simultânea do IVA e IRS. A maioria parlamentar conseguiu convencer o primeiro-ministro, Passos Coelho, a deixar inscrever o compromisso na lei, apurou o PÚBLICO. Mas nem assim se conseguiu um acordo entre PSD/CDS e o PS, que implicaria uma abstenção dos socialistas na votação final global da reforma do IRC. Na quarta-feira à noite, após negociações entre a maioria, o PS e o Governo, concluiu-se que o acordo era impossível. Na versão da maioria, os socialistas recusavam-se a deixar passar a redução da taxa de IRC, ponto que, para PSD/CDS e para o Governo, era essencial obter a luz verde do PS.
A proposta que acolhia a pretensão socialista chegou mesmo a ficar escrita e foi do conhecimento de membros do Governo, além do primeiro-ministro. Só que ao início da tarde, Marques Guedes, ministro da Presidência, criticava expressamente a iniciativa.
Durante os trabalhos da comissão parlamentar de Orçamento e Finanças, ao início da tarde de hoje, o deputado João Almeida (CDS), manifestara a disponibilidade da direita acolher essa iniciativa defendida pelo PS.
Só que, poucas horas antes, o ministro da Presidência havia criticado expressamente essa iniciativa. "Quando se apresenta uma proposta dizendo que se faz depender qualquer alteração do IRC da alteração do IVA da restauração e da taxa do IRS, sabendo-se obviamente que isso não é possível neste momento de se fazer, obviamente é porque se está numa atitude de garantir condições de que nenhum acordo é feito", declarou Luís Marques Guedes, na conferência de imprensa sobre as conclusões do Conselho de Ministros.
Também não ajudou o facto de Marques Guedes ter apontado como causa para o avançar dessa proposta socialista, os possíveis conflitos internos no PS, ao falar de "uma ameaça interna dentro do próprio grupo parlamentar do PS de que se houvesse algum acordo sobre esta matéria por parte da respectiva direcção, haveria uma rebelião dentro do próprio grupo parlamentar".
Fora essa declaração que levara o único deputado do PS presente na reunião da comissão — João Galamba — a concluir que o Governo "decretou o fim da negociação". E, recuperando os avanços e recuos da maioria nas votações, criticar a direita pelo falhanço no acordo apontando como causa a "incompetência ou indefinição interna" na maioria.
A verdade é que foi notória a discrepância entre o tom duro do discurso de Marques Guedes e as posições assumidas pela maioria na comissão. Mesmo depois da intervenção de Galamba, João Almeida tentava refrear a troca de acusações assinalando "a abertura das duas partes" para negociar, lembrando as três propostas do PS aprovadas "na íntegra" pela maioria e outras três que a maioria tinha revisto a sua "posição inicial" para acomodar as ideias dos socialistas. E rematou com o anúncio de que a direita estava disponível para "tornar claro que futuras revisões do IRC teriam de ser articuladas com a revisão do IRS e IVA".
Ainda assim, a maioria não deixou de assinalar aquela que considerava ser a diferente postura do PS na negociação. "O PS não se mexeu um milímetro ao longo da negociação", criticou o social-democrata Cristóvão Crespo, que tencionava colocar em evidência o facto de a maioria ter alterado propostas suas para se aproximar do principal partido da oposição.
O desacordo
A votação na especialidade acabou por confirmar o desacordo. E a descoordenação. A maioria chumbou duas propostas que o PS considerava essenciais. A saber, a redução do IRC para 12,5% para as empresas que tivessem lucros até 12.500 euros e o abatimento fiscal até 25% para empresas que fizessem reinvestimento dos seus lucros.
Este último voto era o exemplo da atrapalhação da maioria: fora votada na quarta-feira, tendo sido aprovada pela maioria, para depois os deputados do PSD e do CDS pedirem para que a votação fosse repetida.
Em contrapartida, uma única proposta socialista foi aprovada pelo PSD e CDS, relativa à remuneração convencional de capital social, que pretende aumentar a autonomia das empresas face à banca.
Do lado do PS, que sempre dissera tencionar votar favoravelmente as alterações relativas à dupla tributação, avançou com uma proposta que alterava um ponto dessa matéria. Que foi chumbada pela maioria.
Entretanto, e enquanto no Parlamento se tornara já óbvio que não havia espaço para acordo, os líderes partidários ensaiavam outra imagem. Numa visita ao Centro Comunitário de Terrugem, concelho de Sintra, o secretário-geral do PS, António José Seguro, não se mostrava tão fatalista. "Nós somos homens de esperança e, por isso, acreditamos até ao último segundo que seja possível que a maioria faça prova da sua disponibilidade."