Os cristãos só querem a paz

“Na Síria, agora, combate-se pela Europa. A passagem é a Síria.”

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O arcebispo maronita de Damasco diz que, entre a violência e o poder, os cristãos escolheriam o poder Yazan Homsy/Reuters

Nassar, de 63 anos, nasceu no Líbano e sabe bem o que é a guerra. Também sabe o que é e onde fica a Síria. Mas nem ele podia antecipar o inferno que se abriu sobre os sírios desde os protestos pacíficos de Março de 2011. “Há 12 milhões de alojamentos destruídos, doze milhões de famílias sem tecto, um sírio em cada dois, é terrível, inimaginável.”

 

Houve a revolta na Tunísia, houve a revolta no Egipto, depois houve a Síria. Mas na Síria nada podia ser como noutros lugares. “Cada país tem o seu sistema. O problema da Síria não é só um problema sírio, é um problema regional e internacional, foi por isso que as coisas se complicaram. A posição geoestratégica da Síria é muito particular, a estabilidade da Síria está ligada à do Médio Oriente, se a Síria se desestabiliza é toda a região que se desestabiliza”, resume.

“A Síria é um campo de combate, está situada entre três grandes nações da História, o Egipto, a Turquia e o Irão”, nota o arcebispo. Turquia e Irão são os países em que é preciso pensar para perceber por que é que as ambições sírias de mais democracia foram e continuam a ser tão esmagadas por tantos poderes diferentes. Mas não só.

O que está em causa na Síria é grande. “Se a Rússia, a Turquia, o Irão e os Estados Unidos se interessam é porque há qualquer coisa de muito importante a passar-se na Síria. É preciso olhar para os interesses económicos e políticos.” Os interesses económicos são vários, mas há um que salta à vista e chama-se gás, chama-se gás dos países árabes, chama-se gás para os europeus.

“O gasoduto que vai chegar à Europa tem de passar pela Síria, só há uma passagem”, diz o arcebispo e enquanto fala, sentado numa das salas do Seminário do Verbo Divino, em Lisboa, puxa de papel e caneta e desenha: a costa, as montanhas, e o corredor. “Tem de passar por Homs, pelo corredor que vai de Homs à fronteira, o único local onde não há montanhas na costa”, diz, e então pensamos no cerco a Homs, ainda em 2011, nos milhares que morreram na cidade, debaixo de bombas, à fome, por falta de cuidados médicos.

“Muitas guerras se travaram por causa deste corredor. É a única passagem para o gasoduto, batemo-nos por este corredor. Por isto é que a guerra aqui à volta é ainda mais dura do que em Damasco e Alepo, joga-se tudo aqui. É a geografia que o determina”, afirma Nassar. E, então, tudo parece explicar-se, mesmo se nada pode explicar o que os sírios passaram desde 2011.

“Se o gás do Médio Oriente chega à Europa menos caro do que o russo é o fim da Rússia. O Irão precisa da porta para o Mediterrâneo, é estratégico. A Arábia Saudita quer exportar os produtos menos caros para a Europa. Na Síria, agora, combate-se pela Europa. A passagem é a Síria”, enumera o arcebispo.

Ainda as fronteiras. “A Síria quase não tem fronteiras naturais, não tem Pirenéus, não tem Alpes. Entre a Síria e a Turquia, entre a Síria e o Iraque ou a Jordânia só há uma linha, só com o Líbano é que há montanhas. É um país difícil de defender”, descreve Nassar. Daí a estratégia do regime que Bashar al-Assad herdou do pai, Hafez: “Por isso é que a família Assad fez alianças inteligentes, uma aliança com a Rússia para se defender da Turquia, uma aliança com o Irão para se defender do Iraque.”

E, os cristãos? “Os cristãos são uma pequena minoria, menos de 5%, que tem medo”, diz Nassar. E, por isso, é pró-regime? “Antes da guerra, os cristãos viviam. Se fizermos esta comparação, sim, os cristãos vão escolher a paz, e a paz é o regime, o poder, a estabilidade. Antes havia a paz, era imposta, mas havia a paz”, afirma. “Isso não quer dizer que os cristãos sejam contra a revolução, contra a justiça. Mas entre a violência e o poder escolheriam o poder.”

Os cristãos — que “não são um alvo desta guerra, estão no meio, como estavam os cristãos palestinianos, que não foram perseguidos mas fugiram”— querem o mesmo que todos os sírios, deixar de viver em angústia permanente, diz Nassar.

O arcebispo tem esperanças na conferência que a 22 de Janeiro juntará em Genebra representantes do regime e da oposição. Não será o fim de nada, mas pode ser o princípio de um diálogo longo e difícil. No fim, Nassar acredita “que haverá uma solução à libanesa, um acordo que envolva toda a gente, uma nova Constituição e uma distribuição de poder por entre todos as comunidades”. Só não sabe quando.

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