Símbolos

Fora o espectáculo, John F. Kennedy, infelizmente para ele e para o mundo, era um Presidente medíocre.

No meu caso, estava num café à espera de um amigo e ao balcão meia dúzia de cavalheiros com gravatas discutiam a notícia que a Emissora Nacional acabara de dar: ainda bem, diziam eles, que em Portugal não havia coisas dessas. Mas, para mim, foi um choque pessoal, como se o tivesse conhecido. Porquê? Não por razões políticas com certeza (um assunto a que voltarei). Mas porque o homem, em 1963, representava a modernidade. Depois dos “velhos” que vinham da guerra e das suas disciplinas – Truman, o de Hiroxima e Nagasáqui, e Eisenhower, o da guerra da Coreia – aparecia como o representante de um novo mundo, próspero e pacífico, sem a sufocação das regras que o século XX herdara do século XIX.

O sentimento foi tão geral que a Livraria Moraes, do António Alçada Baptista, editou logo dois livros sobre o Presidente morto: um ensaio biográfico e uma antologia de discursos, que traduzi (à pressa e mal) e a que juntei um prefácio ignorante e pretensioso. A revista O Tempo e o Modo, em que o João Bénard da Costa mandava, também resolveu fazer um número especial, por puro sentimento e pela suposição pateta de que o gesto incomodaria muito Salazar. Ainda por cima, as trapalhadas da investigação do assassinato – a direcção e a quantidade de tiros (dois, três, quatro, oito), a prisão de Oswald, um pobre-diabo a roçar o louco obsessivo, e a expeditiva liquidação de Oswald por um dono de um cabaré com ligações à Máfia – permitiam especulações sem fim e ajudavam a refulgir a nossa virtude democrática.

A excitação nunca passou destas superficialidades, porque, fora o espectáculo, John F. Kennedy, infelizmente para ele e para o mundo, era um Presidente medíocre. Excepto o tratado com a URSS sobre a limitação de experiências nucleares na atmosfera, falhou persistentemente no resto. Autorizou a expedição à baía dos Porcos, uma aventura que fortaleceu Fidel. Na “cimeira” de Paris, querendo mostrar moderação, convenceu Khrutchov da sua fraqueza e provocou indirectamente a “crise dos mísseis”. Não conseguiu que o Congresso passasse as leis contra a segregação e as leis sociais, que só depois Lyndon Johnson veio a impor. E, pior ainda, liquidou o Presidente do Vietname do Sul e inaugurou a presença militar americana numa região em que não havia nada a ganhar. Mas Jack e Jackie não deixaram por isso de ser um símbolo para os milhões que nasceram durante a guerra ou logo a seguir a ela: o símbolo da juventude e do poder.
 
 
 

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