“Nunca me interessei, mas este ano fiz votos, quero que Moçambique mude”

Maputo viveu um dia de autárquicas sem sobressaltos aparentes e com um movimento claramente ao inferior ao dos fins-de-semana. “Como é dia de eleições muita gente não sai”, queixou-se um vendedor de arte moçambicana. Agora esperam-se resultados.

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Muitos moçambicanos votaram contra o medo e a insegurança Nelson Garrido

“Nunca me interessei, mas este ano fiz votos, quero que Moçambique mude”, explica Aina Ustá, já com o indicador direito tingido de azul. Para que, desta vez, se decidisse a ir votar contribuiu a vontade de acabar com “o muito medo, a muita insegurança” em que o país vive. Esse impulso tinha-a já levado a participar numa inédita manifestação de rua não-governamental a que Maputo assistiu no final de Outubro. “É uma vida de medo, os raptos, a guerra que está a acontecer, por mais que não tenha chegado a Maputo.”

É contra uma existência em sobressalto que esta bancária moçambicana, mãe de dois filhos, de três e cinco anos, votou. “Quando vou deixar os meninos à escola estou a ligar de duas em duas horas, a saber se está tudo bem.” Sabe que a sua preocupação é também a de muitos dos que conhece. “É o primeiro ano que vejo os jovens interessados em votar, para que o país mude”, conta. Aina gostaria que o seu voto contribuísse para “que se acabasse com a pobreza, com o deixa andar que ainda continua”. Por isso, não gostando, esperou para poder votar. Resignadamente.

Maputo, onde estão inscritos mais de 600 mil eleitores, viveu um dia tranquilo, com um movimento claramente inferior ao dos fins-de-semana. As principais avenidas da capital, Eduardo Mondlane, 24 de Julho, 25 de Setembro, Julius Nyerere… estiveram quase vazias. O trânsito foi bastante inferior ao habitual. Os serviços públicos encerraram devido à tolerância de ponto concedida pelo Governo. A decisão, extensiva a todos os municípios do país, foi seguida por muitas empresas de serviços, por uma questão de prudência, face à incerteza sobre o que poderia acontecer, face ao boicote da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana, principal partido da oposição e antigo movimento rebelde). Viam-se polícias armados mas não um aparato ostensivo.

"Ter esperança"

A maior parte das lojas também estiveram fechadas, tal como muitos restaurantes e cafés. Espaços públicos como o Maputo Shopping só tinham previsto abrir às 17h, para que os empregados fossem votar. Muitos táxis pararam por falta de clientes, ontem mais até do que em dias anteriores, em que a diminuição do número de estrangeiros tem sido sensível. Até os vendedores de rua, que oferecem arte moçambicana, telemóveis e bugigangas de todo o tipo eram menos do que habitualmente. Na feira de artesanato de Maputo, no bairro central, os clientes que vieram de manhã contam-se pelos dedos. “Como é dia de eleições muita gente não sai”, queixava-se José, 42 anos, vendedor de arte moçambicana, que ainda só tinha conseguido “800 paus [meticais, cerca de 20 euros] com a venda de dois peixes esculpidos em madeira e ia ficar mais algum tempo antes de ir votar. “Temos de ter esperança”, disse sobre o negócio e o país.

Muitos moçambicanos aproveitaram o dia para votar, no caso dos que foram às urnas, e para tratar de assuntos pessoais. A aparência de tranquilidade era total, nas sedes partidárias, no exterior da residência oficial do Presidente da República, na casa de Maputo de Afonso Dhlakama, líder da Renamo, a umas centenas de metros, onde continuam a viver a mulher e os filhos. O dirigente oposicionista está há um mês em lugar desconhecido, depois de as forças governamentais terem assaltado a base em que viveu no último ano em Satungira, província de Sofala.

Logo de manhã foi possível observar uma significativa concentração de eleitores, que formaram longas filas em assembleias de voto, quer em escolas da zona central quer em bairros populares. “Há uma afluência muito grande, como é comum nas primeiras horas”, confirmou logo então o presidente da comissão eleitoral, Abdul Carimo Sal, que descreveu um quadro de serenidade e tranquilidade não apenas em Maputo mas a nível nacional. “Não há razões até agora que nos deixem preocupados”, disse.

Nem todos seguiram os sucessivos apelos à participação nas eleições de dirigentes políticos e responsáveis pelo processo eleitoral. Marcos, 31 anos, é um dos que não quer falar de eleições. Está preocupado, sim, porque os seus “irmãos estão a morrer”, diz, numa referência ao clima de incerteza e violência político-militar em que o país está mergulhado. Quer que “eles”, os políticos, “resolvam, que conversem e não vão para a guerra”. Houve quem não votasse e quem o fizesse com uma desconfiança alimentada por rumores que vêm de dias anteriores. Correu que havia em assembleias de voto canetas com tinta fácil de apagar para alterar o sentido de voto. Por isso houve quem tivesse tratado de levar caneta própria.

Não foi apenas na Josina Machel que os votantes tiveram de ser pacientes. A meio da manhã, na secundária da Polana, também na zona central, havia quem se queixasse de levar já três horas de espera. E quem encontrasse nas excepções forma de atalhar caminho. “A terceira idade começa aos quantos anos?” A eleitora aborda Pedro, jovem escrutinador que, afadigado em conferir o nome dos cartões dos eleitores com o registo que tem nas folhas A4, não tem tempo para conversas. “Acho que é aos 60”. “Já fiz 61”, diz a mulher com um sorriso a abrir-se. “Pode ir.” Pedro, colete amarelo que o investe de autoridade à porta da assembleia, sabe que estão registados 800 eleitores na sala que lhe coube mas já perdeu a conta aos que passaram por ele.

"A importância de votar"

Horas depois de Aina ter votado, num cenário diferente, na Escola Completa Maria de Lurdes Mutola, Bairro Chamanculo A, uma enorme aglomeração de casas de tijolo sem reboco, nalguns casos revestidas ou muradas por chapas de zinco enferrujadas, a que se chega por estrada de terra batida, é difícil perceber o estado de espírito e a motivação de quem já votou noutras vezes. A Celeste, 60 anos, que está na fila com o neto Henrique, de seis meses, envolto numa capulana, não se consegue arrancar palavra.

Mas os mais jovens têm ali o mesmo tipo de entusiasmo com a possibilidade de escolher que se encontra noutras assembleias da cidade. “Desta vez houve mais campanha e mais participação dos candidatos”, diz Sofia Carlos, 22 anos. “As pessoas estão mais conscientes de como as coisas estão e o que querem melhorar”, acrescenta, ao seu lado, Fiado Baloi, 25. “Com os acontecimentos [o risco de guerra e a insegurança] e a divulgação de informação pela imprensa do que está a acontecer, as pessoas ficaram com a noção da importância de votar”. Um e outro confessam-se “muito preocupados” com o momento do país e por isso votaram e mergulharam o dedo no frasco de tinta azul que se encontra em todas as mesas de voto.

Fora do recinto da escola que serve de assembleia eleitoral, em Chamanculo A, a vida corre, como que habitualmente. Só a votação quebra uma rotina de homens que matam a sede com uma bebida nas “barracas”, os bares populares, e de mulheres que saem e voltam a casa a prepara a comida. Mas este não é um dia como os outros. Ali, como em toda a cidade, como em todo o país, já se esperam os resultados e o que isso trará para Moçambique.

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