“Somos o laboratório das catástrofes naturais”
Jornalista filipina relata como o país convive com desastres permanentes.
A noção do perigo só tomou forma no final dos anos 1980, quando Barcia ainda estava na escola, muito antes de se tornar jornalista, e mais um tufão devastador atingiu as Filipinas. “Tinha nove ou dez anos. Vi corpos a boiar no mar, milhares de casas destruídas. Foi horrível”, relembra. “Foi quando disse pela primeira vez: ‘Não quero mais tufões’.”
Rhaydz Barcia, jornalista do The Manila Times, não chegou a presenciar ainda a devastação do tufão Haiyan. Apanhou o único avião que partiu na sexta-feira do aeroporto da cidade de Legazpi, onde vive, cerca de 500 quilómetros a sul da capital, Manila. Depois do seu voo, a pista foi encerrada para descolagens e aterragens, com o tufão já à porta.
Numa escala em Hong Kong, a caminho da Índia, onde iria participar num encontro de jornalistas ambientais, viu as primeiras imagens na BBC e sentiu-se destroçada, tanto pelo que observava, como pelo facto de não estar presente para reportar e ajudar.
Soube, ao menos, que os seus pais estavam bem, através de uma mensagem no telemóvel.
Há sete anos, em 2006, teve um susto maior. Quando o tufão Durian atravessou a província de Albay, onde está Legazpi, Barcia ficou uma semana sem saber dos pais, que vivem numa outra ilha, fora da cidade.
Nove tufões por ano
Para os filipinos, desastres naturais são uma constante. O país tem 23 vulcões activos e está na trilha das tempestades tropicais que vêm do Pacífico. Num espaço de seis décadas – entre 1948 e 2004 –, nove tufões, em média, atingiram o arquipélago em cada ano, segundo estatísticas da agência meteorológica filipina.
As províncias do Centro e Sul voltadas para o Pacífico – entre elas, Albay, Samar ou Leyte, esta última particularmente afectada pelo Haiyan – são onde estão os maiores riscos. Sismos, ciclones, vulcões, tsunamis, cheias, deslizamentos de terra, há de tudo e com frequência. “Somos o laboratório das catástrofes naturais”, sintetiza Rhaydz Barcia, que ainda há três semanas estava a fazer a cobertura do sismo de magnitude 7,2 que afectou o Sul do país.
O que mais impressiona num tufão, diz Barcia, é que, antes da tempestade, está tudo calmo. “Em 2006, estava um dia lindo de sol”, conta a jornalista, referindo-se ao tufão Durian. “De repente, o céu ficou escuro e começou a tempestade. Não se conseguia ver nada”, relembra. “No dia seguinte, havia uma auto-estrada de mortes”. Cerca de 1700 pessoas perderam a vida.
Barcia ajudou muitas pessoas que tentavam encontrar familiares. E, ainda hoje, sempre que há um desastre natural, actua na dupla condição de jornalista e de voluntária no auxílio humanitário, por exemplo no apoio psicológico a crianças.
A jornalista diz que os desastres naturais impedem um maior desenvolvimento do país, simplesmente por estarem constantemente a destruir culturas agrícolas, habitações, infra-estruturas. “Sempre que nos pomos novamente de pé, somos atingidos por outra catástrofe”, diz.
O país tem alguma preparação para enfrentá-las. Há alertas sobre a proximidade dos tufões e, muitas vezes, ordens para evacuar determinadas zonas. Com a ajuda financeira da Espanha e do Japão, foram construídos alguns centros de emergência em zonas mais elevadas, capazes de albergar temporariamente populações em risco.
A possibilidade de mais eventos meteorológicos extremos num futuro mais quente, devido ao aquecimento global, é preocupante para os filipinos. Rhaydz Barcia acredita que os efeitos já estão a ser sentidos e que o país tem de estar preparado. “Temos de nos adaptar às alterações climáticas”, afirma.
Mas o tufão Haiyan mostra que há forças contra as quais é difícil lutar: “Não importa o quanto estamos preparados, os impactos dos desastres naturais estão além da nossa capacidade”.