FMI defende "limite de velocidade" à austeridade
Técnicos do Fundo reconhecem, em relatório, que a instituição estava errada em muitas das suas políticas.
Ao contrário do que era norma antes da crise, o Fundo diz agora que as medidas de austeridade devem ser aplicadas de forma progressiva, com cuidado, para não provocarem um efeito contraproducente na economia, tendo em conta problemas como a desigualdade e contando com a ajuda dos bancos centrais através da compra de obrigações.
Um dos principais pontos em destaque é qual a carga de austeridade que deve ser imposta num país que tenha como objectivo a consolidação das suas contas públicas. Em linha com outros estudos que já vinham publicando nos últimos meses, os técnicos do FMI arrasam a ideia – até aqui central nas políticas do Fundo em programas de países como Portugal – de que pode haver "consolidações orçamentais expansionistas", ou seja, que, ao corrigir défices excessivos, um Governo poderia estar a ajudar a economia, já que aumentaria a confiança dos agentes económicos.
Os técnicos do FMI dizem agora que "os mais famosos episódios de contracções expansionistas na Europa nos anos 80 e 90 foram criados mais pela procura externa do que interna" e que "não parece que efeitos de confiança tenham desempenhado um papel importante nesta crise".
O relatório volta a assinalar que os multiplicadores na política orçamental (os efeitos que os orçamentos têm na economia) são, numa fase de crise como a actual, com as taxas de juro dos bancos centrais já a zero, bastante mais elevados do que aquilo que era inicialmente pensado.
Este facto leva, por um lado, à conclusão de que, quando a crise financeira colocou as economias em recessão, foi positiva a criação de estímulos orçamentais em muitos países. Por outro lado, a "escolha de uma velocidade apropriada do ajustamento tem de pesar os custos (efeitos negativos no crescimento a curto prazo) contra os benefícios (redução do risco soberano)".
É por isso que, no relatório, os técnicos do FMI abandonam a ideia de que uma consolidação deve ser feita de forma rápida e com a austeridade a centrar-se na fase inicial do ajustamento [frontloading]". "Um frontloading excessivo pode prejudicar o crescimento a um ponto que ponha em causa a coesão social e política, enfraquecendo, em vez de reforçar, a confiança dos mercados", diz o relatório, defendendo que a consolidação orçamental seja feita de forma mais progressiva.
Para países como Portugal, que estão sob pressão dos mercados ou que perderam mesmo o acesso aos mercados, o FMI diz que "poderá não haver muita escolha" e que uma austeridade mais rápida pode ser inevitável. Ainda assim, diz que, mesmo para estes países, "há 'limites de velocidade' que devem ser levados em conta para cumprir o desejado ritmo de ajustamento".
Em relação ao tipo de medidas que devem ser usadas nos processos de consolidação, os técnicos do FMI dizem que, antes da crise, os cortes de despesa eram vistos como mais adequados do que os aumentos de receita. No entanto, agora, declaram que não há conclusões definitivas sobre qual o tipo de medida com mais impacto e afirmam que "novos estudos sugerem que grandes consolidações baseadas na despesa tendem a aumentar as desigualdades e que essa maior desigualdade pode ameaçar o crescimento". Por isso, concluem, "aumentos de receita podem ser uma componente importante dos pacotes de consolidação".
O Fundo assume também mudanças nas políticas consideradas adequadas em questões como a intervenção dos bancos centrais ao comprar dívida pública e a utilidade, na zona euro, de um mecanismo de partilha de risco entre os países, como os eurobonds.
O relatório, intitulado Reassessing the Role and Modalities of Fiscal Policy in Advanced Economies, foi apresentado ao conselho executivo do FMI no passado mês de Julho. Este órgão reuniu-se de forma informal para o estudar e não houve decisões sobre estas matérias.