Sem drama, o pior James Gray
The Immigrant dividiu os críticos no Festival de Cannes. Parece ter procurado tanto a beleza que não consegue mais do que pálido reflexo.
O cineasta vive em Los Angeles, cidade que pode ser para muita gente sinónimo de Hollywood, estúdios e cooperações, mas para ele é um espaço em que “a mistura de latinos e asiáticos dá uma profundidade cultural” rica.
A imprensa americana e canadiana felicitou a “empatia” pela imigração de The Immigrant, o novo filme de um cineasta que do outro lado do Atlântico é considerado “underrated and undersung” (Indiewire) e que por isso terá de ser salvo pelo reconhecimento europeu – os franceses especializaram-se nisso, se calhar espera-se deles isso.
Depois do Leão de Ouro de Veneza a Little Odessa (1994), 2000, 2007 e 2008 trouxeram Gray à competição de Cannes (The Yards, We Own the Night e Two Lovers) e aguardava-se que 2013 lhe permitisse a experiência do palmarés, que faz figura de oficialização.
Reacções divididas a The Immigrant, filme que, é o mistério do seu falhanço, parece ter procurado tanta beleza (e Gray quer sempre estar do lado da Arte… do cinema, também da ópera e da pintura) e não consegue mais do que pálido reflexo.
O historiador Jean Douchet diz sobre ele (Gray, coleccionador de cauções, aproveitou isso para o dossier de imprensa de The Immigrant) que é um cineasta que não está obcecado por inventar algo de novo, antes se interessa por construir a partir das fundações do cinema; ai residirá a sua “modernidade”, na reinvenção do classicismo. Mas é difícil ver reinvenção em The Immigrant, filme incapaz de “partir de…para…”. E que não consegue sequer instalar-se num “drama”.
É verdade que por comparação, é mortal e sem remissão o academismo de Michael Koolhass, de Arnaud des Pallières, adaptando Heinrich von Kleist, e dando um presente envenenado a Mads Mikkelsen, que é obrigá-lo a falar francês – este sim, o pior filme do concurso, não se percebe que sedução terá exercido sobre os seleccionadores.
Não é esse o caso obviamente de The Immigrant. Mas há um drama no cinema de Gray, está sempre na posição de escolaridade face ao passado: sobretudo o cinema americano dos anos 70, sobretudo os movie brats, especificamente o Coppola de O Padrinho – não é por acaso que A Noite fez-se para Amar, de Robert Altman, As Portas do Céu, de Cimino, e O Padrinho II foram visionados pelo director de fotografia Darius Khondji para criar as temperaturas quentes e douradas desta recriação da Nova Iorque dos anos 20 onde chega uma imigrante polaca (Marion Cotillard), que se vai perder para a prostituição, explorada por um empresário teatral e chulo que a ama tortuosamente (Joaquin Phoenix, claro, sempre com a tortura) e que é objecto também da salvífica emoção de um mágico (Jeremy Renner), que por ela se perde.
Tanta ópera, e afinal não há drama. Cotillard, diz dela Gray, tem cara de actriz de cinema mudo, Garbo, Falconetti e Gish foram nomeadas. Mas tanto dá assim tão pouco? - o mutismo amaneirado da vitimização.
É claro que vemos Phoenix, vemos Rennier (que Gray diz ter cara de Clark Gable e Errol Flynn, e ele saberá…) e vemos desde o início que os seus caminhos se vão cruzar, chocar e que a causa do sangue vai ser ela – mas isso é o que se desenha na expectativa do argumento, não lhes vale Puccini ou Wagner na banda sonora para se chegar às lágrimas. Alguém disse aqui que a recriação de Nova Iorque, em The Immigrant, era a mais bela “desde O padrinho”. Sim. Precisamente.