Peões e ciclistas pedem revisão “mais profunda” do Código da Estrada
Proposta de revisão do Governo, que vai ser discutida na generalidade na quarta-feira, fica aquém das exigências das associações.
A proposta aprovada em Fevereiro pelo Conselho de Ministros é uma “meia revisão”, considera Mário Alves, da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados (ACA-M). Isto porque, embora inclua “alterações positivas”, é possível “ir muito mais longe”, afirma, sublinhando a necessidade de uma revisão “mais profunda”.
Em comunicado conjunto, a ACA-M, a Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta (MUBi) e a União Velocipédica Portuguesa-Federação Portuguesa de Ciclismo apontam as “lacunas fundamentais” da proposta do Governo.
Uma delas é a hierarquia a que obedecem peões e veículos na estrada: “Deve ser corrigida a hierarquia social que o CE estabelece actualmente, na qual o peão é obrigado a não prejudicar o trânsito de veículos, mesmo quando está a utilizar o passeio – a anunciada proposta acrescenta a berma”, criticam as associações.
“Como é que é possível haver uma regra a dizer que os peões não podem causar incómodo ao automóvel?”, questiona Mário Alves. Esta regra existe no CE em vigor e mantém-se na proposta de revisão. “É uma oportunidade perdida”, lamenta.
Outra falha tem a ver com o atravessamento. O CE estabelece que o automóvel deve ceder passagem ao peão quando este já tiver começado a atravessar a estrada. “Esta formulação é uma violação da Convenção de Viena”, denunciam as associações.
A Convenção de Viena, que o Estado português assinou em 2010, estabelece regras sobre circulação rodoviária e estipula que o carro deve ceder passagem ao peão também quando este estiver “em vias de iniciar” o atravessamento.
Partilhar estrada com autocarros
Os ciclistas pedem também que a proposta introduza a permissão de circular a par em vias partilhadas com outros veículos, como os autocarros. Em Lisboa, por exemplo, os corredores BUS já são utilizados por ciclistas, mas não há enquadramento legal que lhes permita a utilização dessas vias.
“A circulação a par é, por exemplo, a melhor alternativa para um adulto acompanhar, de bicicleta, uma criança ou jovem que já pedala”, lê-se no comunicado. E dão exemplos: em Espanha, França, Reino Unido e Holanda, entre outros países,“só por opção dos condutores de bicicleta ou quando a circulação a par cause embaraço ou perigo para o trânsito é que as bicicletas devem mudar para circulação em fila”.
Os ciclistas exigem também que seja eliminada a obrigatoriedade de circular em vias reservadas a bicicletas (ciclovias) quando estas existam, à semelhança do que se passa noutros países europeus. “Em muitas situações, as vias reservadas são desconfortáveis, inseguras, partilhadas com peões e o seu desenho implica geralmente maiores tempos de deslocação que as vias disponíveis ao restante tráfego”, afirmam as associações.
Estas pedem ainda que o Parlamento aproveite para alterar a legislação complementar ao CE, nomeadamente o Regulamento de Sinalização de Trânsito, para introduzir sinais que permitam uma melhor protecção dos peões e ciclistas.
“Temos esperança que as coisas ainda possam mudar na discussão [da proposta] na especialidade”, afirma Mário Alves. As associações já se tinham manifestado no início de Março contra algumas medidas previstas na proposta do Governo, como a obrigatoriedade de as crianças até sete anos usarem capacete enquanto andam de bicicleta, sob pena de serem cobradas multas de 60 a 300 euros.
Nesta quarta-feira, será discutida também uma proposta do Bloco de Esquerda sobre este tema, que responde a algumas exigências das associações. Uma delas é, por exemplo, a não limitação do trânsito de bicicletas às ciclovias.
Também o Partido Ecologista “Os Verdes” tem um projecto de lei sobre o assunto, no qual, por exemplo, altera a hierarquia de que falam as associações, sublinhando que os automóveis devem circular “com prudência” para “não pôr em perigo os utentes mais vulneráveis”, ou seja, os peões e ciclistas.
Segundo um relatório recente da Organização Mundial de Saúde sobre a sinistralidade rodoviária, em Portugal, 4% dos mortos nas estradas em 2010 eram ciclistas e 15% eram peões.