Teatro Praga ganha concurso para gerir novo espaço cultural em Lisboa
A companhia de teatro foi a vencedora do concurso público para a cedência da Escola das Gaivotas, no bairro de Santos. O novo espaço chama-se DNA, um jogo de palavras entre o material genético e District of New Art
A companhia venceu o concurso público de cedência de espaço que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) havia aberto em Setembro com um projecto multidisciplinar onde o seu teatro será apenas uma das componentes.
Chamar-se-á DNA, fazendo um jogo de palavras que remete para o conjunto de dados que guardam a nossa base genética e o conceito que criaram para este espaço: District of New Art.
“Pretende ser um espaço aglutinador de novas manifestações artísticas”, começa por explicar Pedro Penim, encenador, actor e membro da companhia. O espaço irá acolher as actividades que o Teatro Praga já desenvolvia no armazém que, até agora, mantinham na zona do Poço do Bispo, e que respondem a um desejo de pensar a companhia enquanto epicentro de um discurso que vai para lá do teatro.
Entre elas o programa mensal de curadoria Old School, assinado por Susana Pomba, e “as coisas novas e novíssimas” no campo das artes performativas “e que não entram em mais lado nenhum”, bem como o plano de formação que o Teatro Praga desenvolveu, intitulado Catequese, além do escritório de produção e espaço de ensaios e armazém da própria companhia.
Para o programa com que se apresentaram a concurso, juntar-se-ão arquitectos, designers, cineastas e artistas plásticos que constituem aquilo que o Teatro Praga apelida de “constelação”. E ainda, porque a vertente educacional terá um peso importante no gestão do equipamento, o Teatro Praga convidou para partilhar o espaço o programa de curadoria e formação em cinema Os Filhos de Lumiére, de Pierre Marie-Goulet e Teresa Garcia que, nos últimos anos, tem aproximado diversas comunidades escolares da prática do cinema.
“Tomamos para nós a responsabilidade de acolher estes projectos”, diz Pedro Penim. E é isto que Catarina Vaz Pinto, vereadora da cultura da CML, destaca num modelo de parceria que pretende instituir-se como modo colaborativo com os agentes culturais sedeados em Lisboa.
Vaz Pinto descreve o Teatro Praga como “uma companhia com um dinamismo particular” e o projecto que apresentaram inserir-se-á num território onde se encontram já “entidades com alguma sustentabilidade” – o Alkantara Festival e o Museu da Marioneta estão do outro lado do Largo de Santos, e, ao Cais do Sodré e à volta do Largo de São Paulo, existe já uma movida concorrente ao Bairro Alto e Santa Catarina – e próximo das Galerias da Boavista, pertença da CML, onde, por exemplo, o Festival de Marionetas e Formas Animadas tem o seu espaço de residências.
Para a vereadora da cultura, a abertura de concursos para cedência de espaços municipais “cumpre um papel que apenas cabe à CML”, mesmo que as cedências aconteçam num contexto económico e social mais adverso. Mas, acredita,“um dos contributos para ajudar à sustentabilidade das organizações passa pela cedência a preços muito acessíveis”.
“Esta mudança representa uma alteração significativa no nosso orçamento mensal”, diz Pedro Penim. “As rendas cobradas pela CML são mais acessíveis do que as que são praticadas no mercado imobiliário”, diz o encenador. A Escola das Gaivotas tem uma area total utilizável de 550 metros quadrados e o valor de renda rondará os 400 euros, longe dos 1200 euros que pagavam por 300 metros quadrados no Poço do Bispo. Isto num ano que se avizinha difícil, já que, como várias outras companhias, também o Teatro Praga aguarda os resultados dos concursos de apoio da Direcção-Geral das Artes, cujos resultados só deverão ser conhecidos no primeiro trimestre de 2013. E, para além disso, o próximo ano será também ano de eleições autárquicas, o que fez com que a CML quisesse assegurar que os projectos entretanto desenvolvidos sobreviveriam à passagem de pastas entre executivos camarários.
Contrato de cinco anos
O contrato foi feito a cinco anos de modo a garantir uma estabilidade que, acredita Catarina Vaz Pinto, “ninguém quererá pôr em causa”. A abertura dos equipamentos municipais a uma gestão tripartida vai, explica a vereadora, ao encontro das reivindicações dos agentes culturais sedeados em Lisboa. “A câmara tem muito menos espaços devolutos do que se imagina, e muitos não estão em condições para serem reabilitados”. O esforço da CML, diz Vaz Pinto, tem sido o de encontrar os equipamentos adequados para uma cidade que se entende como plataforma internacional. “É muito importante que os projectos não sejam fechados sobre si mesmos.”
O programa apresentado pelo Teatro Praga assenta em cinco áreas: literatura e conhecimento, artes plásticas, artes performativas, cinema e área educacional. Para cada uma das disciplinas existirão responsáveis, auxiliados por uma equipa de mentores, gestores e scouters (ou para usar uma expressão futebolística, os olheiros), que andarão atentos ao que se faz em cada uma das áreas. Pedro Penim fala de um projecto de “responsabilidade alargada” que pressupõe uma alteração oficial do perfil da própria companhia que passará a ser estrutura de criação mas também de acolhimento. “No fundo é uma consequência natural que materializa o que sempre quisemos fazer: não nos cingirmos à mera produção de espectáculos”, diz o encenador. “Há um voto de confiança da CML no nosso trabalho e de levar a cabo estas propostas, mas também é uma responsabilidade acrescida”.
Para o Teatro Praga a atribuição de um espaço permite prosseguir um trabalho que, desde que ocuparam o armazém no Poço do Bispo, não tem cessado. “O ritmo dos pedidos para residências, colaborações e apresentações nunca abrandou. Este projecto complexifica, e muito, o que fazíamos no Poço do Bispo, dada a nossa própria necessidade de espaço de ensaios de espectáculos”. Uma ideia que vinha já do tempo em que o Teatro Praga ocupava um armazém no Hospital Miguel Bombarda, onde estiveram durante dez anos, e de onde saíram há dois anos para o Poço do Bispo. O último espectáculo que haviam apresentado no hospital fora Conservatório, no Alkantara Festival 2008.
A chegada à Escola das Gaivotas significará mais uma mudança na já longa história do edifício. Denominado Palácio Alarcão, é um construção seiscentista que, até 1974, foi sede da Liga Nacional 28 de Maio, que pretendia celebrar a chegada ao poder de António de Oliveira Salazar. Depois da revolução foi sede do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa e dos serviços administrativos do Clube Nacional de Natação e, em 2005, a CML cedeu-o a oito grafitters, entre eles Alexandre Farto (VHILS), para uma exposição colectiva. Na fachada que dá para a Rua da Boavista existe, há décadas, uma loja de parafusos.
Ajudar quem faz
Estes projectos de reconversão são um modo de fazer de Lisboa “uma cidade de acolhimento” que se pense enquanto plataforma internacional. “Foi um factor de discriminação positiva os projectos não se fecharem em si mesmos e terem ligações internacionais importantes”. A recuperação destes edifícios insere-se num quadro de financiamento mais alargado, contraído em 2009 junto do Banco Europeu de Investimentos, ao abrigo de um empréstimo para a reabilitação urbana, e estende-se para lá deste equipamento. No plano de acção da CML encontram-se a reabilitação da Biblioteca das Galveias e dos museus de Santo António e do Teatro Romano, bem como as Carpintarias de São Lázaro, entretanto já disponibilizadas para ateliers de artistas plásticos. Para a vereadora, este plano de acção pressupõe um contrato de confiança com os agentes culturais que reconstrua uma outra noção de serviço público, onde “as instituições se apresentam mais abertas” e cujo trabalho “reverta para a comunidade”.
Catarina Vaz Pinto faz uma avaliação crítica do comportamento da própria câmara municipal ao longo dos anos: “O discurso que a CML tinha há vinte anos entendia que lhe cabia fazer tudo. Foi assim, por exemplo, com a Videoteca, onde era a CML a fazer os próprios vídeos. Hoje há um conjunto enorme de agentes culturais muito mais ágeis na maneira de fazer as coisas, do que a CML, que está condicionada pelas regras da administração pública.” Em resumo, a filosofia desta vereação entende que a missão da CML “não é fazer, mas ajudar quem faz”. E este modelo tripartido, considera, “tem funcionado muito bem”. “Os agentes têm respondido de forma bastante positiva”.
O espaço precisa de melhorias consideráveis, esclarece Penim, que serão resolvidas através de um plano de financiamento que permita uma abertura faseada durante 2013. Os primeiros meses do ano serão dedicados a essa recuperação e, ao longo dos meses, será a própria programação a marcar a abertura dos novos espaços. Ao Teatro Praga estarão entregues os pisos -1 e -2, onde, espera a vereadora, poderá existir uma black-box. Mais tarde, será a própria câmara a responsável pela recuperação e gestão dos dois pisos de cima, compostos de salas polivalentes que podem ser estúdios de trabalho ou usados para exposições, e dos andares por cima do pátio, que poderão acolher escritórios para associações, que não impliquem um apoio financeiro da câmara. O objectivo é que, a médio prazo, o edíficio, após a sua reconversão, “seja o mais diversificado possível”. E isto pode já ser uma realidade a partir do fim do primeiro semestre de 2013, diz a vereadora para quem “a dinâmica cultural de Lisboa é um dado muito importante para a cidade”.