Risco de desabamento cancela estreia de Paisagens Propícias em Luanda

As fortes chuvadas de sexta-feira, as novas construções na baixa da cidade e a idade do edifício deixaram o icónico Nacional Cine Teatro em risco de ruir

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Do livro "La modernidade ignorada. Arquitectura moderna de Luanda", que faz um levantamento da arquitectura da capital angolana DR

 

“Os bailarinos, os técnicos, o produtor e eu própria estamos profundamente consternados”, desabafava sexta-feira ao telefone a coreógrafa e investigadora angolana Ana Clara Guerra Marques, fundadora da CDCA (1991).

Curioso projecto, a mesclar dança teatral contemporânea, pesquisa etno-coreográfica e crítica social, a CDCA tem suscitado na sociedade luandense tanto resistências como a adesão entusiástica de uma certa elite cultural; se sobreviveu aos anos conturbados da guerra civil angolana (1975-2002) vê-se agora, porém, privado do seu espaço de apresentação, o “único teatro existente em Luanda”.

Para Lopes-Graça (n. Nampula, 1964) o convite endereçado por Guerra Marques constituía, depois da criação de Gold (Maputo e Lisboa, 2011) para a Companhia Nacional de Canto e Dança de Moçambique, uma oportunidade regressar à África lusófona e ao reiterado interesse em trabalhar com outras culturas coreográficas, que tem partilhado com o músico e compositor João Lucas. A dois dias a estreia, notícia apanhou-o num aeroporto em França, mesmo a tempo de não embarcar para Luanda, já que tem estado a trabalhar, em simultâneo, numa versão de Dom Quixote, para o Ballet da Ópera de Rhin.

A residência artística em Angola, durante 2012, decorreu entre a trepidante Luanda e a quietude desértica do Namibe: Paisagens Propícias é um título emprestado do livro homónimo de Ruy Duarte de Carvalho (Santarém 1941 – Swakopmund, Namíbia 2010); inspira-se na vida, literatura,  etnografia e filmografia do controverso autor, cuja juventude, passada na então Moçâmedes, e o regresso, enquanto adulto, o levaria a um profundo conhecimento da cultura Kuvale (sudeste do país) e a adoptar, em 1983, a nacionalidade angolana.

Apesar de Rosa Cruz e Silva, ministra da Cultura angolana, ter declarado esta semana ao Jornal de Angola “ser urgente que o sector privado dê o seu contributo para tornar possível explorar tais espaços e rentabilizá-los condignamente, sem fugir dos seus protótipos”, augura-se um futuro incerto para o velho teatro erigido em 1932 pelo arquitecto  Vasco Vieira da Costa, vulnerável que está às deficientes obras de requalificação (2010) e  à possibilidade de uma demolição, dada a actual pressão imobiliária na capital angolana.

Se é incerto o destino deste nostálgico resquício urbanístico do período colonial, parte da “modernidade ignorada” da baixa de Luanda, garantida é a estreia de Paisagens Propícias acabar por acontecer em Lisboa, Porto e Bragança, em Janeiro de 2013. 

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