De comandante terrorista a humanitário e personagem de banda desenhada

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Vista aérea de Kuta, onde morreu um português Foto: Bali Adventure Tours/Reuters

Sentado num dos imensos Starbucks existentes na capital da Indonésia, Jakarta (há centros comerciais com vários), Nasir Abbas confunde-se com o resto da população, apesar de não ser indonésio. A delicadeza nos gestos e a solidariedade no olhar e nas palavras tornam difícil imaginar que já foi considerado um dos homens mais perigosos na região.

Há dez anos, Nasir Abbas treinava “jihadistas” no uso de armamento, tendo até estabelecido um campo de treino no sul das Filipinas, e era um dos elementos mais procurados da Jemaah Islamiah, um antigo grupo ligado à Al-Qaeda e responsável pelos atentados de há dez anos em Bali, que fizeram 202 mortos, entre os quais um português.

Mas tudo mudou a partir de 12 de Outubro de 2002. “Eu não concordei com a operação de ataque com bombas contra civis. Nós nunca fomos ensinados a matar civis, excepto se estivéssemos a lutar no campo de batalha”, explica este malaio, recordando que “muitos muçulmanos também foram vítimas”.

Quando foi detido em Abril de 2003, a polícia pensava que se tratava do líder da Jemaah Islamiah e que “estava a esconder os responsáveis [dos atentados] de Bali”. Como não havia testemunhas ou provas, foi julgado por violação de imigração.

Quando a polícia “toca os corações” dos jihadistas

Durante o tempo que esteve na prisão, uma conversa com a polícia ajudou-o a pensar de modo diferente. Hoje é conhecido por ser um dos primeiros participantes do programa de desradicalização lançado pela Agência Nacional de Contra-Terrorismo (BNPT), que tenta afastar ex-combatantes da violência através da palavra.


Nasir Abbas repete que o trabalho de “reabilitação” feito pela polícia é puro “sentido de humanidade”, que acaba por “tocar os corações” dos extremistas.

O porta-voz da Polícia Nacional explicou ao PÚBLICO que, “durante o programa de desradicalização, os detidos devem falar frequentemente com a polícia com vista a mudarem a forma de pensar”.

Para evitar que alguns dos detidos apenas aceitem participar no programa para obter regalias, como apoio nas deslocações da família à prisão, como alertou a especialista em terrorismo Sidney Jones, o mesmo porta-voz da polícia indonésia defende a criação de emprego para os ex-combatentes “para que eles não regressem para os seus grupos”. O PÚBLICO tentou falar com a agência governamental BNPT sobre este tema, mas sem sucesso.

Através da palavra e do envolvimento da comunidade, entende o brigadeiro-general Boy Fatli Amar, será possível “obter o apoio da população” na luta contra a radicalização.

Na área da prevenção, que envolve diversas entidades como organizações não governamentais e escolas islâmicas, estão ainda a ser dados os primeiros passos.

Quando o livro é a melhor arma

Em 2010, Nasir Abbas passou a ser também uma figura da banda desenhada. O antigo combatente decidiu contar a sua história, mas num “livro colorido” destinado aos jovens.


“Agora eu entendo o significado de jihad” é o nome da obra que o malaio acredita ajudar os que querem saber mais sobre a Jemaah Islamiah e sobre como “contrariar a ideologia” daquela antiga organização.

Nasir parece gostar bastante da fama. Nem o facto de ter feito inimizades onde antes existiam cumplicidades lhe tira o sono. “Se algo me acontecer, eu tenho a certeza que é a vontade de Deus”, vinca.

Alguns dos antigos combatentes acabam por regressar aos grupos depois de terem passado pelo processo de desradicalização. Perante a pergunta se já alguma vez teve pensamentos sobre essa possibilidade, Nasir entrega-se ao riso, para depois, com um pesado silêncio de segundos de introdução, dizer que, apesar de agora ter uma vida nova, o passado ainda habita nos seus “sonhos”.

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