Três das locomotivas a vapor que a CP tem em Gaia podem acabar na sucata

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Há 20 anos que seis locomotivas a vapor estão abandonadas na estação de Gaia Fernando Veludo/NFACTOS

Há 20 anos que seis locomotivas a vapor estão abandonadas na estação de Gaia. Foram para ali deslocadas, vindas de Contumil, onde terão exalado a última baforada outros 20 anos mais atrás, quando acabou a tracção a vapor na ferrovia em Portugal. O ferro e o aço de que são feitas as locomotivas não são imunes à exposição prolongada ao sol e à chuva. Por isso, a Associação Portuguesa dos Amigos dos Caminhos de Ferro (APAC) vem alertando, desde 1989, a CP para a necessidade de proteger aquele património num edifício coberto.

Só que, para a empresa, o destino mais provável de três destas máquinas é a venda para sucata. As restantes deverão integrar o acervo do Museu Ferroviário Nacional. Fonte oficial da transportadora pública diz que "a CP está a contactar diversas entidades para verificar a eventual existência de interesse na sua preservação ou utilização para fins museológicos ou outros". Mas, "se não existir um efectivo interesse de nenhuma entidade neste material, virão a ser objecto de venda para demolição".

É contra isso que se insurge Nélson Oliveira, presidente da APAC. "Em lado nenhum do mundo, com excepção da China e da Índia, se demolem locomotivas a vapor", diz. "O valor que a CP delas possa obter ao vendê-las para sucata é irrelevante face à sua importância patrimonial", diz este especialista em ferrovia, que sugere a doação das locomotivas a municípios que as queiram usar como monumentos estáticos ou bases para instalações artísticas. E não faltam localidades em Portugal com fortes ligações ao caminho-de-ferro, como o Barreiro, Pinhal Novo, Vendas Novas, Sintra, Figueira da Foz, Braga ou Viana do Castelo, sugere Nélson Oliveira. Até os museus mineiros do Lousal ou Aljustrel poderiam incluir estas locomotivas no seu acervo, como testemunho da importância da ferrovia na actividade mineira.

Nélson Oliveira nota ainda que estas máquinas podem fornecer peças sobressalentes para a locomotiva do comboio histórico do Douro. "Seria inacreditável que a actividade deste serviço turístico algum dia cessasse devido a danos irreparáveis nos rodados, cilindros, êmbolos ou bielas, quando a CP dispunha destes componentes no material que agora admite demolir", comenta.

Nélson Oliveira recorda ainda que, recentemente, em França, uma locomotiva que estava semi-abandonada numa rotunda, a servir de monumento num cidade de província, foi retirada porque se reuniram fundos para a pôr de novo a funcionar. O presidente da APAC reconhece que a crise que atravessa Portugal não permite investimentos destes. Mas isso não é razão para se "comprometer o futuro", ressalva. Portugal é um destino turístico e, um dia, poderá haver recursos para apostar em comboios históricos, e estas locomotivas serão então úteis", advoga.

Num documento enviado à CP em 2007, a APAC apresenta exemplos de recuperações de velhas locomotivas inglesas que foram retiradas de serviço nos anos 60 e depois adquiridas a sucateiros nos anos 90, para serem recuperadas e postas em ordem de marcha. Apresenta ainda fotos de uma locomotiva que estava afundada no canal do Panamá desde 1914 e que foi resgatada em 2000 para ser recuperada.

As locomotivas de Gaia que se arriscam a rumar à sucata são as máquinas 0184, 0190 e 072. Números que dão identidade a veículos que fizeram história. As duas primeiras foram construídas nos anos 20 na Alemanha e entregues a Portugal como indemnização da I Grande Guerra. São da mesma série da locomotiva que hoje ainda apita no vale do Douro, rebocando o comboio turístico. A 072 foi construída na Suíça em 1916 e circulou em praticamente todas as linhas do país. A APAC acredita que o Museu dos Transportes de Lucerna, na Suíça, estará interessado em acolhê-la.

As três das seis locomotivas que vão escapar à demolição estão destinadas ao Museu Ferroviário Nacional. A CP diz que serão, para esse efeito, objecto de um protocolo entre o museu e a empresa.

As máquinas 282, 294 e 701 foram construídas, respectivamente, em 1910, 1912 e 1913 na Alemanha. As duas primeiras pela Henschel & Sohn e a 701 pela Berliner Maschinenfabrik. Foram as primeiras locomotivas a vapor construídas de acordo com especificações de engenheiros portugueses, ao contrário do que era prática até então, em que as companhias de caminho-de-ferro nacionais iam ao mercado comprar o que existia.

Do ponto de vista técnico, representaram, à época, uma opção clara "pela tecnologia do sobreaquecimento do vapor aliado a motor de simples expansão", de acordo com um documento da APAC. Destinadas ao Caminho do Ferro do Sul e Sueste, as três máquinas pertencem a séries que foram expressamente concebidas para satisfazer a variedade de serviços então prestados - mistos, rápidos e mercadorias - e representam "um dos poucos exemplos de normalização nos caminhos-de-ferro [portugueses], com numerosas peças comuns, o que também as torna singulares".

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