Chumbadas indemnizações por doença profissional a ex-trabalhadores das minas da Urgeiriça

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Estima-se que tenham morrido 160 mineiros com doenças relacionadas com a exposição à radioactividade Foto: Carla Carvalho Tomás

Os três diplomas foram rejeitados com os votos contra do PSD e CDS-PP, a abstenção do PS e os votos a favor do PCP, BE, “Os Verdes” e 13 deputados do PS.

Na sua intervenção, a deputada do BE Mariana Aiveca sublinhou que “desde 1995 que estes ex-trabalhadores lutam pelo reconhecimento daquilo que foram os impactos que tiveram na suas vidas e na sua saúde a exposição ao urânio”. Afirmando que em 2010 foram aprovados um conjunto de projectos de lei que vieram “repor justiça a estes trabalhadores”, a deputada sublinhou que, “de fora, ficou o reconhecimento ao direito de uma indemnização por doença profissional”, o que “não é admissível”.

Por seu lado, o deputado Miguel Tiago, do PCP acusou o PS de “tudo ter feito” para “bloquear” as conquistas que os ex-trabalhadores conseguiram nos últimos anos e frisou que o PSD e o CDS “se uniram para bloquear acesso às indemnizações por doenças”.

Manuel Tiago lembrou aos deputados que “centenas de pessoas e suas famílias entregaram ao Estado português anos de trabalho da sua vida e tiveram contacto com material radioactivo”. “O que está em causa não é mandar estas questões para os tribunais. É garantir com clareza na lei que as doenças que podem decorrer comprovadamente de trabalho na mina possam ser reconhecidas” e que daí decorram consequências.

Pelos Verdes, a deputada Heloísa Apolónia disse que o que está em causa é uma “questão de elementar justiça que ainda está de fora da lei: as indemnizações no caso de ser diagnosticada uma doença profissional a estas pessoas que estiveram sujeitas à radioatividade”.

Do lado do PS, o deputado Acácio Pinto disse que o partido “continua a ter profunda convicção que os direitos dos trabalhadores se encontram, com as alterações de 2010, salvaguardados no que toca à reparação de danos emergentes às doenças profissionais nos termos da lei em vigor”. Por isso, o PS decidiu “não viabilizar” as propostas do BE, PCP e Verdes.

O deputado João Figueiredo, do PSD, disse que falta nos projectos de lei em debate algum rigor quanto ao processo indemnizatório, pelo que o grupo parlamentar social-democrata irá “apresentar um projecto de resolução que recomenda ao Governo que avalie o impacto financeiro desta medida e um conjunto de critérios justos e equitativos que permitam avaliar a sua possível aplicabilidade”.

Do lado do CDS-PP, o deputado Hélder Amaral considerou que existem actualmente mecanismos legais que permitem defender os ex-trabalhadores da ENU, pelo que não há necessidade de nova legislação nesse sentido. Contudo, adiantou que o CDS-PP vai votar favoravelmente no projecto de resolução apresentado pelo PSD.

Na resposta, a deputada do BE Mariana Aiveca frisou que a proposta do PSD e do CDS-PP só serve “para colocar as indemnizações na gaveta” e perguntou se vão aprovar as indemnizações “quando já não houver ex-trabalhadores vivos”.

O mesmo foi questionado pelo PCP e pelos Verdes.

Apoio parcial do PS foi “evolução muito positiva”

A assistir ao debate desta sexta-feira estiveram vários ex-trabalhadores da ENU e viúvas de antigos mineiros. Conhecida a decisão do Parlamento, o presidente da Associação dos Ex-Trabalhadores das Minas de Urânio (ATMU) não deixou de se manfestar optimista. “Do lado do PS teve uma evolução muito positiva, com alguns deputados a votar favoravelmente. Isso dá-nos uma grande convicção de que esta questão terá uma resolução positiva dentro de pouco tempo”, disse António Minhoto.

O dirigente associativo disse que “mesmo os deputados que votaram contra, não tiveram justificação” para o sentido de voto. “Está claro que o Estado foi cúmplice nesta matéria, uma vez que era o proprietário da ENU, por isso não entendemos porque é que não deram ainda o passo decisivo”, afirmou.

Referindo-se aos argumentos do PSD de que é necessário “avaliar o impacto financeiro” de eventuais indemnizações, o presidente da ATMU sublinhou que “num Estado de direito não pode haver esses fundamentos”. “O Estado era o dono da empresa e os trabalhadores produziram muito. Ainda há 150 toneladas de urânio em stock, além do património. Até por aí se encontram soluções financeiras”, frisou.

António Minhoto garantiu que vai continuar a lutar pelos direitos dos trabalhadores e suas famílias.

Na sequência de várias ações de luta, em 2010, foi publicado em Diário da República um diploma que deu benefícios na idade da reforma aos trabalhadores que já não tinham vínculo à ENU à data da sua dissolução, mas que deixou de fora a reivindicação do pagamento de indemnizações.

António Minhoto estima que tenham morrido cerca de 160 trabalhadores da ENU com doenças relacionadas com a exposição à radioactividade e que 300 têm de fazer exames médicos regulares.

Com sede na Urgeiriça, Canas de Senhorim, no concelho de Nelas, a ENU teve a seu cargo, desde 1977, a exploração de minas de urânio em Portugal. A empresa entrou em processo de liquidação em 2001 e encerrou definitivamente no final de 2004.