A viagem mais difícil de Bento XVI leva-o ao Líbano com os olhos na Síria

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O Líbano é talvez o país certo para servir de palco para a mensagem que o Papa pretende transmitir Foto: Joseph Eid/AFP

A Reuters diz que é uma viagem "religiosamente delicada e potencialmente perigosa", a AFP considera que será talvez "a mais difícil" entre as 24 viagens de Bento XVI fora de Itália.

A viagem do Papa ao Líbano foi decidida antes do alastramento da guerra civil na Síria, mas dá-se numa altura de agravamento do contexto sócio-político da região: o conflito na Síria transbordou para o interior do Líbano, onde há comunidades que apoiam o regime de Damasco e outras que se lhe opõem; a divulgação de um filme sobre Maomé desencadeou protestos contra interesses ocidentais e o embaixador dos Estados Unidos na Líbia foi morto.

Na fronteira do Líbano com a Síria, a violência tornou-se permanente. Os 200 habitantes cristãos da aldeia de Minjez, no norte do Líbano, sentem-se aterrorizados pelos obuses disparados da Síria.

A viagem tem como pretexto a apresentação do documento de Bento XVI redigido a partir das conclusões do Sínodo dos Bispos sobre o Médio Oriente, que decorreu há dois anos, em Roma. E Ratzinger não deixará de tocar em vários dos pontos quentes do quotidiano da região: a violência, o terrorismo, a pobreza, o êxodo dos cristãos, a liberdade religiosa, a democracia política e o respeito pelos direitos humanos.

O Líbano é, por isso, talvez o país certo para servir de palco para a mensagem que o Papa pretende transmitir: outrora apelidado de "Suíça do Médio Oriente", pela diversidade cultural e religiosa e pela capacidade de permanecer neutral nos conflitos da zona, o país viu-se confrontado com uma guerra civil devastadora entre 1975 e 1991.

No país, os cristãos já foram a maioria. Actualmente, embora não haja estatísticas fiáveis, fontes citadas pela AFP dizem que eles representam perto de 35% da população de 4,6 milhões, onde os muçulmanos já ultrapassam os 64%. Mas o Vaticano ainda fala em mais de 53% de católicos (a que se devem juntar ainda as outras confissões cristãs).

Serão estes crentes que seguramente procurarão prestar um bom acolhimento ao Papa, apesar de todos os riscos que isso implica.

No país, as autoridades garantem a segurança, apesar dos riscos da viagem. O porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi, disse, citado pela Lusa, que não há "preocupações sobre um perigo" particular. O padre Paolo dall"Oglio, jesuíta que viveu os últimos 30 anos na Síria mas viu ser-lhe recusada a revalidação da autorização de residência, alerta para o perigo que correm as pessoas que querem ver o Papa.

Relação com os muçulmanos

Fundador de um mosteiro dedicado ao diálogo islamo-cristão, o jesuíta acrescentava, citado pela AFP, que está em perigo o modelo de "Estado-mosaico" do Médio Oriente e há o "risco de uma expansão islamista incontrolável, do Paquistão ao Mali" (ver texto ao lado).

A relação com os muçulmanos é um ponto sensível para o Vaticano. O próprio Bento XVI já ateou involuntariamente um fogo, quando na Alemanha em 2006 se referiu a Maomé com uma citação depreciativa de um imperador cristão.

Depois disso e de várias manifestações contra o Papa, o próprio Bento XVI foi à Turquia, onde rezou na Mesquita Azul, um gesto visto como uma atitude de reconciliação.

Desde então, o Vaticano tem-se empenhado em promover iniciativas diversas de diálogo académico e religioso entre católicos e muçulmanos. No fim-de-semana passado, em Sarajevo, outra cidade-símbolo da violência inter-étnica e religiosa, o encontro anual promovido pela Comunidade de Santo Egídio juntou, com a bênção do Vaticano, líderes de todas as religiões, incluindo católicos e muçulmanos.

A violência de Bengasi, com a morte dos quatro norte-americanos, mereceu firme condenação do Vaticano, que também não poupou o autor e o objecto do filme: numa declaração do porta-voz da Santa Sé, citada pela agência Ecclesia, este manifesta "o profundo respeito pelos crentes, textos, grandes personagens e símbolos das diversas religiões" como uma "premissa essencial da convivência pacífica dos povos".

Condenar a violência

Repetindo a mesma atitude do Vaticano na questão das caricaturas de Maomé - condenar a violência, mas recusar as ofensas aos símbolos da fé -, o padre Lombardi acrescentava: "As gravíssimas consequências das ofensas e provocações injustificadas à sensibilidade dos crentes muçulmanos são mais uma vez evidentes nestes dias, pelas reacções que suscitam, por vezes com resultados trágicos, que por sua vez aprofundam tensões e ódio, desencadeando uma violência de todo inaceitável."

O Papa, disse ainda o seu porta-voz citado pela AFP, não se apresentará no Líbano como um "poderoso chefe político", e dele não se podem esperar "grandes intervenções de natureza política". O patriarca da Igreja Melquita, uma comunidade em comunhão com o Vaticano, queria, no entanto, que o Papa avançasse por esses territórios: Gregório Laham III pediu que reconhecesse o Estado palestiniano, gesto que teria "grande influência" nos cristãos da região. Mas o pedido mereceu um lamento do porta-voz do Vaticano.

Domingo, o próprio Ratzinger referiu-se à viagem falando da "paz tão desejada", do "respeito pelas legítimas diferenças" e do papel das "várias comunidades cristãs no diálogo inter-religioso e intercultural". E disse que compreendia a "angústia de muitos habitantes do Médio Oriente, atribulados diariamente por sofrimentos de todo o tipo, que afectam, triste e às vezes mortalmente, a sua vida pessoal e familiar".

O Papa, que chega hoje às 11h45 de Lisboa (mais duas horas em Beirute), assina esta tarde a exortação pós-Sínodo. Amanhã, tem um encontro com líderes muçulmanos, outro com as autoridades políticas do país e uma celebração com jovens. No domingo, celebra missa em Beirute e, antes de deixar o país, terá um último encontro com líderes de outras igrejas cristãs do país.

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