O primeiro a pisar a Lua morreu quando andamos longe do espaço
Era o dia 20 de Julho de 1969, era ele um piloto de testes que fazia 39 anos dentro de poucos dias e recebeu a prenda de anos mais cobiçada da elite de astronautas formados pela NASA, todos pilotos de caças como ele: a honra de ser o primeiro a sair do módulo lunar “Eagle”. Neil Armstrong, o primeiro a pisar solo fora do nosso planeta, morreu no sábado, aos 82 anos, devido a complicações após uma cirurgia às coronárias
"É um pequeno passo para o homem, um salto de gigante para a humanidade", disse ele, enquanto descia as escadas, produzindo uma frase que se tornou um ícone. O feito foi transmitido pela televisão para todo o mundo, com direito a mensagem de parabéns em directo da Casa Branca, era então Richard Nixon o seu titular. Mas, soube-se muitos anos depois, havia planos de contingência secretos para o caso de nem Armstrong nem Buzz Aldrin, o segundo homem na Lua, sobreviverem à aterragem – ou então sobreviverem, mas não conseguirem regressar.
Diga-se em abono da verdade que os planos não adiantariam grande coisa: não seria possível salvar os astronautas. O Presidente Nixon telefonaria primeiro às futuras ou recém-viúvas, Janet Armstrong e Marion Aldrin, e a seguir entraria em directo na televisão para ler uma declaração preparada para anunciar ao mundo a dolorosa perda: “O destino dispôs que os dois homens que foram à Lua para explorar em paz ficarão na Lua para descansar em paz”, começava em o discurso. A seguir, viria um padre para dizer palavras de consolo.
Responder ao apelo de KennedyArmstrong, apaixonado pela aviação desde a infância, obteve a licença de piloto muito cedo, e serviu como piloto militar entre 1949 e 1952. Participou em 78 missões de combate na Guerra da Coreia. A aventura da exploração espacial chamou por ele logo desde o início: integrou primeiro a NACA (National Advisory Comittee for Aeronautics), a entidade que daria depois lugar à NASA, servindo como piloto de testes.
Em 1962, entrou para o programa de astronautas da NASA, quando o Presidente John F. Kennedy lançou o seu apelo mobilizador para a América ir à Lua. Nessa altura, os EUA só tinham conseguido enviar Alan Sheppard 185 quilómetros acima da superfície da Terra, durante 20 minutos – nem sequer contava como voo orbital. O desafio era imenso, recordava Armstrong. "Agora o Presidente estava a desafiar-nos a ir à Lua. O intervalo entre um voo de 20 minutos e ir à Lua era quase para além do que se podia acreditar, tecnicamente."
Comandou a missão Gemini 8, em 1966, quando a agência espacial norte-americana experimentava missões com dois astronautas, depois do programa Mercúrio, em que o objectivo era colocar um único homem em órbita. Ambos os programas eram ensaios a pensar nas manobras necessárias para pôr seres humanos em órbita, fazê-los sair para o espaço, em passeios fora das suas cápsulas, e operações de acoplagem, para adicionar múltiplos módulos, construindo estações orbitais.
Na Gemini 8, Armstron e David Scott realizaram a primeira acoplagem em órbita da Terra: Armstrong fez com que o nariz da cápsula Gemini se ligasse com o satélite Agena. Mas a cápsula com os astronautas desgovernou-se a seguir e quase acabou em desastre, não fora a cabeça fria de Armstrong. Acabou por fazer uma descida de emergência, mergulhando no Pacífico – estava-se bem longe dos tempos do vaivém norte-americano, capaz de aterrar como um avião.
Três anos depois da Gemini 8, com os olhos da América firmemente colocados na Lua, Armstrong foi destacado para liderar a missão Apolo 11 – uma honra, ou uma loucura, pois seria a primeira vez que uma nave tentaria aterrar na Lua.
Numa raríssima entrevista dada em Março deste ano a uma publicação australiana – Armstrong raramente falava com os media – contou que ele próprio achava que a Apolo 11 tinha apenas 50% de hipóteses de aterrar em segurança no satélite natural da Terra. Os registos da NASA mostram que a sua pulsação era de 150 batidas por minuto enquanto dirigia o Eagle em direcção à superfície lunar, muito acima da média de 90.
Esfofo de heróiPor que é que a NASA o escolheu a ele e não ao seu companheiro de missão, Buzz Aldrin, igualmente qualificado, para ser o primeiro homem a sair do módulo lunar? A razão teve mais a ver com as personalidades dos dois astronautas, do que com as suas capacidades – apesar de a NASA sempre ter dito que a decisão foi técnica, diz o “Washington Post”.
Christopher Kraft Jr, um ex-responsável de topo do programa de voos tripulados da NASA, confirmou-o na sua autobiografia, em 2001, diz o jornal: Aldrin, que se bateu com problemas de alcoolismo e depressão ao longo da vida, era abertamente ambicioso e sempre pronto a expressar as suas opiniões – nomeadamente, a opinião de que ele próprio seria o primeiro homem na Lua. “Pensávamos que Buzz seria o nosso melhor representante para o mundo, o homem que se ia tornar uma lenda? Não”, recordou Kraft. O estóico Armstrong, “reticente, que sempre falava baixo, heróico, era a nossa única opção”, revelou.
Nos últimos anos, Armstrong saiu um pouco do seu recato para criticar a falta de ambição da NASA. O abandono das missões à Lua, em 1972, substituídas pelos programas de voos que se ficam sempre pela órbita da Terra, nunca foi muito bem visto pela primeira classe de astronautas. Mas os planos do Governo para aposentar os vaivéns e abandonar a construção de foguetões e sistemas de transportes de astronautas da NASA que levem astronautas à Lua e até a Marte levaram Armstrong a criticar abertamente o Presidente Barack Obama em 2010, juntamente com outros veteranos da Lua.
O primeiro homem na Lua prestou depoimento perante o Congresso e publicou uma declaração na imprensa afirmando ter "reservas substanciais em relação aos planos de esquecer o regresso à Lua e deixar os voos orbitais nas mãos de investidores privados. Disse que estas são "propostas mal orientadas, que forçam a NASA a sair das operações dos voos tripulados no futuro a curto e médio prazo".
A velha "águia" da Lua aterrou, anunciando o fim de uma geração.