Portugueses descobrem que pinguins estão a disputar camarão da Antárctida

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Os pinguins-de-barbicha quase só comem camarão antárctico na época da reprodução Nuno Ferreira Santos

Pela primeira vez, o que comem duas espécies de pinguins foi estudado no mesmo local e ao mesmo tempo na Antárctida, para ver se competem entre elas por alimentos. Este estudo, da equipa do biólogo José Xavier, na primeira campanha coordenada portuguesa à Antárctida, entre Novembro de 2011 e Abril de 2012, permitiu concluir que os pinguins-gentis e os pinguins-de-barbicha disputam o mesmo camarão da Antárctida, na ilha de Livingston.

Face à competição por comida, e às alterações climáticas, será que os pinguins conseguirão adaptar-se às mudanças ou acabarão por se extinguir? A Península Antárctica, onde fica a ilha de Livingston, é das regiões do planeta que mais têm aquecido. À semelhança do que tem ocorrido com a temperatura da atmosfera, que nos últimos 50 anos aumentou 2,5 graus Celsius em termos de média anual, as águas do oceano Antárctico também estão mais quentes.

Enquanto os pinguins-gentis vivem em águas um pouco mais quentes, e não parecem ter problemas de adaptação a esta subida de temperatura, os barbichas estão habituados a águas mais frias e os estudos noutras ilhas já mostraram que as suas populações estavam a diminuir. Se o oceano Antárctico continuar a aquecer, os gentis podem continuar a ir para sul, mas os barbichas já não terão onde se refugiar. "Os pinguins vão ou não ser capazes de se adaptar às alterações que estão a acontecer na Antárctida?", perguntou José Xavier na apresentação, esta semana em Lisboa, dos resultados preliminares de toda a campanha, que teve como coordenador-geral Gonçalo Vieira, do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa.

Nos dois meses passados na base búlgara na ilha de Livingston, José Xavier e o biólogo José Seco, ambos da Universidade de Coimbra, dirigiram-se regularmente às colónias de pinguins das duas espécies, que na altura estavam em época de reprodução, e andaram a apanhar os animais. Não só viram nas fezes os restos do que tinham acabado de comer, como recolheram sangue e penas, para descobrir, através da análise de certos isótopos nestas amostras, o que eles tinham ingerido na última semana e no último ano. "Temos mais de 600 amostras", disse José Xavier.

Além dos pinguins, a campanha incluiu mais seis projectos e envolveu cerca de 20 cientistas, que estudaram os contaminantes da Antárctida, o solo congelado, os bancos de neve durante o Verão, como é que os peixes estão a lidar com o aumento da temperatura, como foi o clima nos últimos milhares de anos e como é aí a cooperação científica e política.

A campanha permitiu que Portugal contribuísse, pela primeira vez, para o esforço logístico internacional na Antárctida, com o aluguer de um voo entre o Chile e a ilha do Rei Jorge, na península Antárctica (que transportou 73 cientistas e técnicos de seis países, a 26 de Janeiro). Em vez de os cientistas portugueses serem só convidados nas bases de outros países, o Programa Polar Português organizou a primeira campanha com logística própria, com 92 mil euros da Fundação para a Ciência e Tecnologia.

Para já, os resultados sobre o que os pinguins tinham comido recentemente indicam que a dieta era quase só à base de uma espécie de krill (camarão da Antárctida), aEuphausia superba. "Temos as duas espécies a alimentarem-se da mesma coisa - 98% é krill, o que é surpreendente. Mais surpreendente ainda é que comiam camarão do mesmo tamanho", contou José Xavier. Em suma, a competição por comida é grande. José Xavier, que já vai em sete campanhas na Antárctida, e José Seco, que se estreou agora nestas aventuras, descrevem essa descoberta em poucas palavras: "É incrível", contaram no diário da campanha na Internet (http://www.propolar.org).

"Sabendo que a quantidade de camarão do Antárctico tem declinado nas últimas décadas nesta região, é possível que mais cedo ou mais tarde estas espécies se alimentem de outras coisas ou que a sua capacidade de ter filhotes fique diminuída, o que pode afectar as suas populações."

Quando estiverem prontos, os resultados das análises às penas deverão revelar o que comeram durante o último ano. Se uma das espécies estiver a comer outras coisas fora da época de reprodução, já estará mais adaptada para fazer essa dieta também durante a reprodução, considerou José Xavier.

"Estes dados podem ajudar a prever o que acontecerá às populações de pinguins no futuro, o que é importante para a conservação, e possivelmente perceber como outras espécies lidam com a competição por comida num contexto de alterações climáticas", relataram os biólogos no diário da campanha.

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