Medo da crise já está a chegar às consultas de psiquiatria
Apesar de, regra geral, as consultas públicas desta especialidade registarem ligeiras subidas, os médicos defendem que não se pode estabelecer uma relação directa entre a subida e a crise. "As pessoas andam mais apreensivas, mas para termos a certeza é preciso esperar algum tempo", defende a directora do serviço de psiquiatria do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, Maria Luísa Figueira.
Nas urgências dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), a psiquiatra Paula Carriço nota "maior afluência": "Não sei se é por causa da crise, porque na mudança de estação há mais depressões, suicídios e para-suicídios, mas nas entrevistas as pessoas queixam-se da situação económica." O medo da falência de empresas e a insegurança dos que trabalham por conta própria são receios de adultos com mais de 50 anos. Já nos jovens, que apresentam muitas vezes perturbações de ansiedade e se mostram pessimistas e sem esperança, o tema recorrente é o desemprego.
O chefe do serviço dos HUC tem comprovado, "pelo pulsar" das entrevistas, os "efeitos negativos" da crise na saúde mental: "Nas sociedades ocidentais, adquirimos um determinado padrão de vida e, com a crise, as pessoas sentem insegurança", diz Carlos Braz Saraiva. O também docente da Universidade de Coimbra conta que muitas pessoas chegam à consulta com "perturbações do sono" porque "são socialmente aceites": "Têm insónias, mas é apenas a ponta do icebergue, o que se vê. No decorrer da entrevista, vemos que o que está abaixo da linha é muito maior e importante."
O director clínico do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Coimbra considera "expectável" que "haja um aumento" de consultas com a crise: "Vai provocar ansiedade, depressão, mas no campo da psiquiatria não se reflecte de imediato. Para além de ter um período de incubação longo, há um certo estigma, as pessoas não procuram logo ajuda", diz Pires Preto.
Luísa Sales, que trabalha no Hospital Militar de Coimbra e no privado, nota um aumento das primeiras consultas, mas uma quebra na continuidade: "Há um abandono dos acompanhamentos psicoterapêuticos por falta de dinheiro. A portaria que diminuía o preço dos medicamentos para doentes de evolução prolongada foi extinta e as deslocações para ir à consulta também pesam..." Defende que, com a crise, "as pessoas tornam-se muito mais vulneráveis ao sofrimento psíquico" e conta que há quem não queira meter baixa por "medo de represálias" no emprego.