Alunos aprendem ao ritmo da esperança
Abrir a porta da Escola Básica de 2.º e 3.º ciclo Miguel Torga, na Amadora, é como levantar a tampa de uma caixinha de música. Ao longe, ouvem-se o som grave de um contrabaixo, o gemer agudo de um violino, o riso alto de uma criança, o ressoar dos passitos de outra. À medida que se avança pelos corredores, encontram-se pequenos momentos inesperados. A um canto, uma rapariga magra, tão alta como o contrabaixo que carrega, ensaia uma música familiar. Talvez de Beethoven. No corredor, um rapazito, pequeno, carrega um violino e agita no ar o arco. Enquanto uns conversam, falam do dia de aulas que passou, brincam, correm e riem pelos corredores, outros vão tocando. O ensaio da orquestra está quase a começar.
O projecto chama-se Orquestra Geração. Foi Wagner Diniz, professor da Escola de Música do Conservatório Nacional, que conseguiu dar-lhe pernas para andar. "Achámos que o nome representava a ideia de dar uma nova oportunidade àqueles a quem o programa se dirigia, uma nova geração", explica Wagner, que no ano passado recebeu o prémio de mérito e inovação, no âmbito do Prémio Nacional de Professores, do Ministério da Educação.
Tudo começou em 2007, na escola Miguel Torga, onde existia um programa de integração social. A Câmara da Amadora e a Fundação Calouste Gulbenkian queriam dar-lhe um novo alento. Foi numa conversa entre Wagner Diniz e Jorge Miranda, director do Departamento de Educação e Cultura da autarquia, que a ideia surgiu. "Na minha estadia como bolseiro em Basileia, na Suíça, assisti a um concerto da orquestra Simón Bolívar e, através de colegas venezuelanos, tinha sido informado sobre El Sistema", recorda Wagner. "Sugeri que o aplicássemos em Portugal", conta. E assim foi. Hoje, cerca de mil alunos fazem parte da Orquestra Geração, que está a funcionar em 14 escolas na região de Lisboa, uma em Coimbra e duas em Trás-os-Montes. E são cada vez mais os estabelecimentos interessados em implementar o projecto.
Etnias diferentesA Orquestra Geração "proporcionaou ensino artístico a quem geralmente não tinha acesso", contribuindo para a "integração de muitos jovens de etnias diferentes", explica Wagner Diniz, que considera importante as crianças habituarem-se a conviver com "a cultura do outro".
Raquel tem 15 anos, está na orquestra desde a sua criação e lembra-se perfeitamente de quando o projecto nasceu e do pouco interesse que lhe despertou na altura. "Achava que a música clássica não combinava comigo." Mas um dia decidiu inscrever-se. "Já toco violoncelo há um ano e meio e estou a gostar", afirma, com convicção. "No início, toda a gente tem dificuldades, mas se estivermos atentos, se nos dedicarmos, deixa de ser difícil", confia.
Na orquestra, graças à qual diz ter feito novos amigos, Raquel progrediu a vários níveis. "Sempre me disseram que a orquestra era muito boa para o trabalho em grupo", conta. "E, de facto, tenho notado que tenho melhorado no trabalho com outras pessoas." Para Raquel, a orquestra é, sem dúvida, importante. "Os outros miúdos [de fora da orquestra] vão para casa ver televisão, estão sempre no computador. E acho que isto é uma boa oportunidade para fazermos coisas diferentes", explica.
Um futuro melhorOs pais também têm aderido ao projecto e chegam a incentivar os filhos a entrar ou permanecer na orquestra. Iara tem 11 anos e toca violino. Diz que foi a mãe que a incitou a inscrever-se e que o facto de os irmãos fazerem parte da orquestra lhe despertou o interesse em aderir. Para Iara, estar no projecto é importante. "Porque assim temos um futuro melhor, conseguimos o que queremos e vamos ser alguém na vida." E é assim que a maioria dos pequenos músicos justifica a importância da Orquestra Geração. Muitos esperam conseguir, graças a ela, o que antes lhes parecia difícil de alcançar: um futuro melhor.
Apesar de não ser esse o objectivo do projecto, alguns talentos têm sido descobertos. "Já temos dez crianças a frequentar escolas vocacionais de música no regime profissional e integrado, nomeadamente, no Conservatório Nacional e na Metropolitana", orgulha-se Wagner Diniz. A expansão do projecto a nível nacional é agora o principal objectivo. O professor considera fundamental que "seja constituída uma instituição sob a tutela do Ministério da Educação que possa passar a dirigir o projecto". À entrada de uma sala de aulas, as crianças aglomeram-se. Cada uma tem o seu instrumento, que pode levar para casa para ensaiar. Já na sala, instaladas em semicírculo e de frente para o professor, tocam em conjunto a escala de Sol. Estão atentas e preocupadas em não errar. Afinal, o ensaio é importante. Em breve haverá um concerto.
Concerto solidário poderá ajudar a criar o programa GeraçãozinhaAs orquestras Geração preparam-se para dar um concerto solidário. É já na sexta-feira, dia um de Outubro, no Teatro Camões, em Lisboa. Além das crianças, estarão em palco António Rosado, Mário Laginha, Elsa Saque, António Wagner Diniz e José Manuel Brandão.
Esta é uma gala de angariação de fundos, por isso, se o público quiser, pode dar mais do que o custo dos bilhetes (dez euros), propõe o responsável do projecto, Wagner Diniz. Com esse montante, a equipa pretende não só continuar a financiar o actual projecto - "têm havido muitos cortes", lamenta -, mas também arrancar com novos como o Geraçãozinha, uma orquestra para crianças entre os três e os seis anos, que poderá começar no próximo ano lectivo. Antes disso, é preciso formar professores à luz do projecto venezuelano e comprar novos instrumentos, pequenos.