Macau, cinco anos depois: "um exemplo de prosperidade"

Um "boom" económico. Um aumento drástico no turismo. Menos crime nas ruas. É assim que muitos vêem Macau, cinco anos depois de ter passado da administração portuguesa para a soberania chinesa. O Presidente Hu Jintao está hoje no território, mostrando que Pequim sabe reconhecer as suas "galinhas de ovos de ouro".

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A 20 de Dezembro de 1999, Portugal entregou o território que esteve sob a sua administração durante 442 anos DR

A 20 de Dezembro de 1999, Portugal entregou o território que esteve sob a sua administração durante 442 anos. Ontem, Hu referiu que Macau é agora "a prova de que a fórmula 'um país dois sistemas' é uma garantia do desenvolvimento sustentado e de prosperidade e estabilidade a longo prazo".

As explicações para o "boom" são fáceis de encontrar: a liberalização da indústria do jogo, com concessão de licenças para operadores estrangeiros, que por sua vez geraram um aumento significativo do turismo. O fim do monopólio do empresário Stanley Ho transformou Macau na versão oriental de Las Vegas.

O sector do jogo rendeu aos cofres macaenses 1410 milhões de euros, noticiou a Lusa na semana passada. As receitas da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) totalizavam até 14 de Dezembro 1920 milhões de euros, um aumento de 45 por cento em relação ao que estava orçamentado. Alguns analistas estimam que as receitas venham mesmo a ultrapassar as da Meca do jogo americano - as previsões apontam para que a partir de 2009 o jogo renda anualmente 3700 milhões de euros.

A abertura de casinos criou milhares de novos postos de trabalho. Mas trouxe também o reverso da medalha. "O 'boom' está a criar um desequilíbrio enorme. O mercado de trabalho está demasiado concentrado na indústria do jogo", comentou ao PÚBLICO o analista Gary Mei, presidente da Fundação Sino-Latina de Macau. "As pequenas empresas estão a ficar sem trabalhadores". O balanço destes cinco anos é positivo - "para a maioria das pessoas a vida está melhor, com melhores salários", diz - mas "as pequenas e médias empresas estão a ser cada vez mais marginalizadas. Precisamos de um crescimento equilibrado e sustentado".

O destino do dinheiro que chega ao governo é ainda outra questão. Gary Mei afirma que é urgente um maior investimento na educação. "Temos o 'hardware', mas precisamos do 'software'", resume. "Os estudantes mais novos estão a desistir muito rapidamente da educação. Precisamos de advogados, sociólogos, médicos".

É está também a opinião do jornalista Harald Brunning, correspondente da Reuters e do "South China Morning Post". "O crescimento é tão rápido que falta sempre trabalho qualificado", afirma ao PÚBLICO. "Mas social e politicamente a situação está muito melhor agora do que durante a administração portuguesa"

"Pedimos autorização para respirar"

Pequim viu em Macau uma "galinha de ovos de ouro", que embora sem as dimensões da vizinha Hong Kong, poderá trazer benefícios ao Governo central. Em 2003 começou a emitir vistos individuais aos cidadãos chineses para ajudar as duas regiões especiais a recuperarem da crise provocada pela pneumonia atípica. E, actualmente, a maioria dos visitantes de Macau vêm da China continental, dispostos a deixar somas avultadas nas mesas de jogo.

O pequeno território - que é também um dos mais densamente povoados do mundo - recebeu mais de 15 milhões de visitas durante este ano. A população ressente-se.

"Aquela cidade calma, o passeio tranquilo ao fim-de-semana quase se perdeu", lamenta o macaense Victor Marreiros, "designer" gráfico. "Somos invadidos por turistas e quase que pedimos autorização para respirar. Isto para mim, como natural de Macau, choca-me bastante". Há quem se queixe que as infraestruturas não são suficientes, que os transportes públicos estão superlotados, que a poluição está a piorar.

E, para já, o turismo está demasiado dependente dos casinos. "Macau está a modernizar-se, mas a indústria do jogo não é sustentável a longo prazo", alerta o sociólogo Newman Lam, da Universidade de Macau. "Daqui a 20 anos teremos de contar com outras coisas. É preciso olhar noutras direcções para continuar com a prosperidade".

Os caminhos passam por uma "cooperação industrial com a China" e em consolidar Macau como uma "plataforma com o Ocidente". Mas também para isso é preciso apostar na formação. "Não temos pessoas preparadas. A aposta da educação tem de ser a grande prioridade. As pessoas têm de receber formação rapidamente".

"Nós também perdemos [com a expansão económica]. Perdemos a calminha, a vida confortável", acrescenta Victor Marreiros. "Acho muito bem que haja desenvolvimento, mas é preciso elevar o nível cultural". "Há mais dinheiro, há mais oportunidades de trabalho. Mas se as oportunidades são boas e se o orçamento melhorou, isso já não tem a ver com a quantidade".

Em geral, fala-se num aumento da estabilidade, não apenas económica. "O crime violento desapareceu", diz Brunning. E avança com uma explicação possível: "Era mais fácil desafiar Portugal, que estava a milhares de quilómetros de distância. Desafiar Pequim é uma coisa completamente diferente. [Por causa da língua] as autoridades sabem como lidar com os criminosos, fazem-se entender". Não é o único a referi-lo, mas os números não estão do seu lado - dos 1881 crimes contra pessoas registados em 1999, passou-se para 2359 em 2003.

O ministro português dos Negócios Estrangeiros, António Monteiro, afirmou na semana passada, em Lisboa, que a China está a cumprir rigorosamente a declaração sobre o estatuto da RAEM. "Todos os pontos" desse acordo "estão a ser cumpridos".

Brunning confrima que em relação aos direitos humanos, uma questão muito sensível nas negociações de transferência do território, "a situação não se alterou". Ou se há mudanças a registar, são positivas: "A liberdade de expressão está mais relaxada. Antes do 'hand-over' havia mais controlo, as autoridades estavam muito tensas".

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