Alterações climáticas: em Marraquexe, a hora é para concretizar Paris

Depois de uma conferência histórica do clima, em Dezembro do ano passado, perto de 200 países voltam a reunir-se numa cimeira que pede decisões urgentes.

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Em Marraquexe começa a concretização do plano mais ambicioso de sempre para o clima ALAIN JOCARD/AFP

A cidade de Marraquexe aguarda, a partir de hoje, que os representantes de cerca de 200 países comecem a dar passos para concretizar o primeiro grande acordo mundial contra o aquecimento global, que entrou em vigor há quatro dias, menos de um ano depois de ter sido aprovado em Paris. A grande expectativa da 22.ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP22), que decorre até dia 18 na cidade marroquina, está em ver até onde os países estão dispostos a ir para respeitarem o compromisso que assumiram em Paris de limitar a subida da temperatura "bem abaixo dos 2 graus Celsius" relativos à era pré-industrial e a "continuar os esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5 graus Celsius".

Nesta quinta-feira, um relatório das Nações Unidas voltou a lembrar a urgência em agir rapidamente para reduzir as emissões de gases com efeito estufa (GEE), de modo a evitar “uma tragédia”. Mais um alerta com palavras duras num momento de raro consenso político no combate contra o aquecimento global e as agressões ao ambiente, mas que pede medidas concretas.

Até ao momento 97 dos 197 signatários ratificaram o Acordo de Paris, considerado histórico. Ainda assim, no início desta conferência três grandes emissores GEE não ratificaram o acordado em França a 12 de Dezembro do ano passado: a Rússia, que ainda não avançou com uma data, e a Austrália e o Japão, que ainda estão na fase de discussão.

Para Humberto Rosa, antigo secretário de Estado do Ambiente (2005/2011) e actualmente na Direcção-Geral do Ambiente da Comissão Europeia, a COP22 é “uma cimeira intermédia, mas uma cimeira intermédia muito importante por surgir depois do acordo histórico de Paris”. “É importante que em Marraquexe se consolide o que foi acordado em Paris e que cada país possa assumir e reforçar aquilo com que se comprometeu.”

O antigo governante manifesta-se optimista que a COP22 “possa terminar com resultados e compromissos muito concretos”, mas alerta que o Acordo de Paris, “sendo um marco importante, não é uma varinha mágica que vai resolver todos os problemas. “Ainda há muito a fazer”, salientou.

Operacionalizar é a palavra-chave em Marraquexe, onde são esperados 20 mil participantes. Afirma Tosi Mpanu-Mpanu, porta-voz do grupo de países menos desenvolvidos, à agência AFP, que “a COP22 deve ser uma conferência de acção e implementação”.

“Este é um momento para olhar para a frente”, salientou a coordenadora das Nações Unidas para o clima, Patricia Espinosa, citada pela Reuters. “Num curto espaço de tempo - e, certamente, nos próximos 15 anos - precisamos levar a cabo reduções sem precedentes nas emissões de gases com efeito de estufa e fazer esforços ímpares para construir sociedades que podem resistir a aumentar impactos climáticos ", acrescentou.

Definição de requisitos de transparência (verificação dos compromissos nacionais), apresentação de estratégias nacionais até 2050, aumento da ajuda financeira aos países em desenvolvimento, assistência técnica para a criação de uma política de desenvolvimento “limpo” (energias renováveis, mais transportes eficientes em termos de energia e habitats, novas práticas agrícolas), são alguns dos temas que se espera que saiam clarificados da cimeira de Marrocos para que possam avançar no terreno rapidamente como defende a ONU.

O objectivo do limite de 2º C tinha sido definido em 2009, em Copenhaga, o que impõe uma redução drástica das emissões de GEE através de medidas de poupança de energia e de investimentos em energias renováveis e, por exemplo, reflorestamento. Vários países, nomeadamente estados insulares ameaçados pela subida do nível do mar, afirmam que mesmo com a limitação do aumento da temperatura a 1,5ºC já correm perigo.

Portugal, um deserto em 2100

Cumprir este objectivo será também particularmente importante para os países do Mediterrâneo e determinante para Portugal. Se não for invertido o actual ciclo de aquecimento global, a Península Ibérica poderá transformar-se num deserto até 2100. É o que têm dito alguns estudos, o último dos quais de Joel Guiot e Wolfgang Cramer, do Centro Nacional de Investigação Científica francês, e publicado nesta semana na revista Science.

Esta investigação partiu de uma análise das características da vegetação mediterrânica, que se mantiveram semelhantes ao longo dos últimos 10 mil anos. Posteriormente, os resultados obtidos foram combinados com projecções climáticas, de forma a perceber que repercussões terão as mudanças de temperatura, a alteração da pluviosidade e a concentração de gases na atmosfera. As conclusões são pouco animadoras para Portugal.

Falhando o objectivo dos 1,5ºC, mas conseguindo conter a subida global da temperatura nos 2ºC, as novas zonas desérticas na orla do Mediterrâneo ficariam circunscritas ao norte de Marrocos e Tunísia e ao sul de Espanha. Mesmo uma subida desta dimensão será responsável por uma transformação, sem paralelo, do ecossistema mediterrânico. Já se o aquecimento global se mantiver nos níveis actuais, Portugal transformar-se-á num país desértico em larga porção do seu território (a capital, Lisboa, será cidade erguida no meio de um vasto deserto), e o mesmo acontecerá no sul de Espanha, em Itália e na Turquia.

100 mil milhões de ajuda

A questão da ajuda aos países em desenvolvimento é outro dos temas sensíveis na COP22. Em 2009, os países ricos prometeram 100 mil milhões de dólares por ano (cerca de 91.200 milhões de euros), a partir de 2020, para ajudar as nações em desenvolvimento a financiar a transição para energias limpas e a adaptação aos efeitos do aquecimento, dos quais são as primeiras vítimas.

Como defendido pelos países em desenvolvimento, o texto de Paris estabeleceu que a soma prevista é apenas “um tecto”. Um novo objectivo financeiro será definido em 2025. Os países desenvolvidos não querem ser os únicos a pagar e pediram uma contribuição da China, Coreia do Sul, Singapura e nações ricas em petróleo.

A fórmula proposta foi a de que “os países desenvolvidos devem avançar com recursos financeiros para ajudar os países em desenvolvimento. (…) Terceiras partes [país ou grupo de países] são convidados a apoiar voluntariamente”.

Trata-se da ajuda aos países atingidos por efeitos do aquecimento quando a adaptação (sistemas de alerta meteorológicos, manipulação de sementes agrícolas, diques, entre outros) já não é possível: em causa estão perdas irreversíveis ligadas ao degelo dos glaciares ou à subida das águas, por exemplo.

Sem definir todos os pontos e aspectos, o acordo de Paris consagrou todo um artigo a esta questão, uma vitória para os países mais vulneráveis, como os Estados insulares. O acordo reforçou o mecanismo internacional, dito “de Varsóvia”, encarregado desta questão, e cujos dispositivos operacionais ainda estão por elaborar.

Novidades sobre a distribuição desta verba são esperadas pelos países mais pobres que “não têm os recursos e conhecimentos para se protegerem de forma adequada”, segundo Tosi Mpanu-Mpanu.

“Quando o mundo se prepara para a cimeira de Marraquexe, devemos recuperar o sentido de urgência que tínhamos há um ano”, afirmou por sua vez através de um comunicado Jim Yong Kim, presidente do Banco Mundial a propósito da COP22. “A cada dia que passa, o desafio climático cresce”, acrescentou.

lalvarez@publico.pt

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