Bélgica admite ter subavaliado alerta turco sobre terrorista belga

Dois ministros belgas admitiram erros na forma de tratar a informação de que um dos bombistas-suicidas de Bruxelas tinha sido duas vezes detido e expulso na Turquia por suspeitas de terrorismo. Capital belga abandona nível máximo de alerta.

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Governo belga durante a cerimónia desta quinta-feira em frente ao Parlamento NICOLAS MAETERLINCK/AFP

À medida que se acumulam perguntas incómodas sobre a capacidade de a Bélgica lidar com as suas ameaças terroristas internas, dois ministros do Governo liderado por Charles Michel admitiram nesta quinta-feira terem existido erros na forma como lidaram com alertas passados de que um dos bombistas-suicidas era um suspeito de terrorismo. Os dois ministros — Jan Jambon, do Interior, e Koen Geens, da Justiça — propuseram até as demissões deles próprios na reunião da manhã, mas o primeiro-ministro belga, que prometeu chegar ao fundo da verdade, recusou-o. Em vez disso, foi anunciada uma comissão parlamentar de inquérito.

O Governo estava já sob pressão no momento de explicar a razão pela qual fora incapaz de impedir que a mesma rede de jihadistas que atacou Paris em Novembro conseguiu margem de manobra suficiente para cometer os atentados de terça-feira em Bruxelas. A tensão redobrou na quarta-feira, quando o Presidente turco revelou que um dos bombistas-suicidas do aeroporto já fora detido no seu país em Maio de 2015 por suspeitas de terrorismo — Ibrahim el-Bakraoui foi capturado tentando viajar para a Síria, para combater em nome do grupo Estado Islâmico, que reivindicou os últimos atentados.

A Reuters defende que só essa informação teria bastado para que fosse detido na Bélgica, pois estaria a violar os termos da sua liberdade condicional — Ibrahim, o mais velho de dois irmãos bombistas que se fizeram explodir na terça-feira, foi condenado em 2010 a nove anos de prisão por assalto à mão armada e libertado quatro anos mais tarde. Mas a Bélgica não aceitou a custódia de Ibrahim, respondendo às autoridades turcas que não tinha provas das suas actividades terroristas. O extremista acabou por ser deportado para a Holanda, a seu próprio pedido. “Era um criminoso comum em liberdade condicional”, limitou-se a dizer o ministro belga da Justiça, ainda na quarta-feira.

Koen Geens dava a justificação-padrão para o facto de existirem hoje dezenas de ex-combatentes jihadistas em liberdade na Europa: enquanto não existirem indícios de crime terrorista, as autoridades optam por não agir. As mesmas perguntas surgiram em Novembro, quando se revelou que quase todos os atacantes de Paris tinham viajado para a Síria e estavam identificados como radicais nas bases de dados de antiterrorismo — uma informação que fez com que o próprio primeiro-ministro belga prometesse começar a deter todos os novos retornados da Síria.

Os ministros belgas adoptaram uma postura mais defensiva nesta quinta-feira. “Pode-se perguntar como é que aconteceu nós o termos deixado em liberdade tão cedo e perdido a oportunidade de o apanharmos na Turquia”, reconheceu o ministro belga do Interior, Jan Jambon, já depois de ter visto a sua demissão recusada. “Provavelmente não houve uma circulação atempada de informação da Turquia para a Bélgica e no interior da Bélgica”, disse, por sua vez, o ministro da Justiça — Koen Geens ressalvou, apesar de tudo, não ter sido informado do momento de Ibrahim aterrar na Holanda, como os holandeses disseram nesta quinta-feira não terem sido informados pela Turquia de que o homem que deportaram era suspeito de terrorismo.  

5000 jihadistas

Os irmãos Bakraoui acabaram por se tornar alvos de mandados internacionais de captura no final de 2015, quando começaram a despontar indícios do seu envolvimento nos atentados de Paris. Tal como Salah Abdeslam, que escapou às mãos da investigação franco-belga durante quatro meses, os Bakraoui conseguiram operar sob o radar até se fazerem explodir na terça-feira no aeroporto — Ibrahim — e numa estação de metro — Khalid el Bakraoui. Morreram 31 pessoas na terça-feira, mas o número pode vir aumentar com os mais de sessenta feridos ainda em cuidados intensivos.

A polícia belga investigava esta quinta-feira a possibilidade de um quinto atacante, visto nas câmaras de videovigilância do metro com um saco negro e a conversar com Khalid antes da explosão. As autoridades não sabem se o homem morreu no ataque ou se está a monte, tal como um atacante do aeroporto que ainda não foi identificado ou capturado — Bruxelas saiu de alerta de segurança máximo, apesar de várias operações de rusga e pequenos alertas de bomba em várias partes da cidade.

Enquanto se desvendam pormenores daquilo que pode ser a primeira super-célula jihadista na Europa, especialistas enumeram as dificuldades de uma triagem a todos os suspeitos de radicalização no continente. “Uma comunidade de cinco mil suspeitos radicalizou-se na Europa e viajou para a Síria e Iraque para obter experiência de combate, alguns dos quais — não todos — regressaram”, disse esta quinta-feira à BBC Rob Wainwright, director da Europol. “É difícil saber quantos [militantes] estão activos e preparam ataques na Europa”, concluiu. 

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