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Para combater o terrorismo é preciso falarmos uns com os outros na UE

Chegou a altura de a Europa agir a sério contra o terrorismo, pede a Comissão Europeia, numa reunião de emergência com ministros da Justiça e da segurança.

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Cerimónia de um minuto de silêncio frente ao Parlamento esta manhã: o rei Philippe limpa uma lágrima, o primeiro-ministro Charles Michel e Jean-Claude Juncker, o presidente da Comissão YORICK JANSENS/AFP

Em vez de inventar algo novo, é preciso que os países da União Europeia "assumam as suas responsabilidades" e “usem plenamente as medidas contra o terrorismo que já foram aprovadas após os atentados de Paris”, afirmou o comissário europeu para as Migrações, Assuntos Internos e Cidadania, o grego Dimitris Avramapoulos. "Esta foi a mensagem passada” numa reunião com os ministros da Justiça e com as pastas da segurança dos Vinte e Oito, convocada de emergência após os atentados de terça-feira em Bruxelas.

Num dia em que os ministros da Justiça e do Interior belgas, Jan Jambon e Koen Geens, apresentaram a sua demissão ao primeiro-ministro Charles Michel – que não foi aceite –, assumindo erros cometidos a nível de segurança, a Comissão Europeia fez uma chamada de atenção aos governos e ao próprio Parlamento Europeu.

“É importante que os ministros falem uns com os outros e concluam que devem compartilhar informação ao mais alto nível – mais do que têm vindo a fazer”, afirmou Frans Timmermans, vice-presidente da Comissão Europeia. “É o momento de passar das palavras para as acções” e avançar com todas as medidas já discutidas anteriormente, declarou Avramapoulos. 

“Por vezes há falta de vontade política, de coordenação ou, o mais importante em alguns casos, falta de confiança”, analisou o comissário grego. “Mas não podemos continuar a ter ataques horríveis como estes e encará-los como avisos.”

Os erros reconhecidos pelos ministros belgas têm a ver com um dos bombistas de Bruxelas, Ibrahim El Bakraoui, um belga que foi deportado no Verão passado pela Turquia para a Holanda com informação de que estava a tentar juntar-se ao grupo jihadista Estado Islâmico, após ter sido detido junto à fronteira em Ganziatep. O caso está ainda um pouco mal explicado, mas serve para ilustrar as falhas de comunicação e de partilha de dados, com a agravante de incluir um parceiro exterior à UE – a Turquia, com quem a agência de polícia europeia, a Europol, apenas tem acordos de cooperação, por exemplo.

“Insistimos na necessidade de actuação rápida entre as diferentes instituições europeias e na possibilidade de as bases de dados poderem comunicar umas com as outras”, declarou o ministro da Justiça belga Koen Geens, que no início do dia tinha oferecido a sua demissão, como penitência por erros que terão contribuído para os atentados.

“Todos os dias descobrimos como é importante a troca de informações, e ter equipas conjuntas de investigação – depois dos atentados de Paris, a cooperação com os nossos amigos franceses tem sido muito frutuosa”, afirmou. “Caminhamos de forma cada vez mais acelerada para uma luta integrada contra o terrorismo”, assegurou Geens.

O comissário Avramoupoulos, o disciplinador de serviço da Comissão nesta reunião, anunciou a criação de equipas conjuntas de ligação entre os países, para que os governos e os peritos de cada nação aprendam a falar uns com os outros, mas não só. “Os próprios sistemas têm de comunicar uns com os outros, têm de estar interligados.” De que servem bases de dados a que os países não podem aceder, ou nas quais só alguns colocam dados, ou em que as impressões digitais não podem ser relacionadas com o cadastro de alguém num determinado país?

Outra frente de ataque é a aplicação das directivas aprovadas pela Comissão Europeia. “Os explosivos usados em Paris e Bruxelas foram produzidos de forma caseira. Existe legislação aprovada para impedir que os ingredientes necessários para os fazer sejam comprados facilmente – porque é que não é correctamente aplicada?”, interrogou o comissário grego.

“Não podemos continuar a arrastar os pés, temos de assumir responsabilidades. Tudo isto são propostas essenciais que, não sendo aprovadas ou aplicadas, tornam-se inconsistentes”, afirmou Avramoupoulos, que visou ainda outro alvo com as suas críticas: o Parlamento Europeu.

Registo de passageiros em foco

Em causa está sobretudo o registo europeu de passageiros aéreos (Passenger Name Record), aprovada em Novembro, após os atentados de Paris, num conselho europeu de emergência. Mas tem estado bloqueada no Parlamento Europeu, por levantar preocupações relativamente à privacidade dos cidadãos. A esquerda europeia tem exigido garantias sobre o que será feito com os dados recolhidos, o que tem travado a aprovação desta directiva – muito desejada pelos Estados Unidos, já desde os atentados da Al-Qaeda em território norte-americano em 2001.

O Presidente François Hollande tinha já apresentado a posição francesa, em comum com a da República checa, ao receber em Paris o primeiro-ministro checo Bohuslav Sobotka: é “uma urgência absoluta” a adopção “sem demoras pelo Parlamento Europeu” do registo europeu de passageiros aéreos.

Exemplos da dificuldade de concertar posições são as atitudes assumidas após os atentados de Bruxelas, pela Polónia e pela Hungria, que anunciaram a intenção de reforçar a luta contra o terrorismo, com medidas unilaterais que implicam mais uma vez encerramento das fronteiras e limitações à privacidade.

O Governo ultraconservador de Varsóvia prometeu apresentar nas próximas semanas uma nova lei antiterrorista que permitirá maior vigilância dos cidadãos estrangeiros – incluindo a sua detenção e expulsão imediata – e também fechar, de forma temporária, as fronteiras. O objectivo é ter a legislação aprovada até Maio, adianta o Le Monde.

Já em Budapeste, o Governo apresentou esta quinta-feira um projecto de emenda constitucional para reforçar os meios dedicados à luta antiterrorismo, com medidas há muito defendidas pelo primeiro-ministro Viktor Orbán, como um aumento da vigilância das telecomunicações e a possibilidade de seguir em tempo real o que se passa nas contas bancárias de eventuais suspeitos.

Com Sílvia Amaro, em Bruxelas

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