Sucessor de Dilma em caso de impeachment distancia-se do governo
Há uma nova intriga palaciana em Brasília e o seu protagonista não é Eduardo Cunha mas sim Michel Temer, lider do maior partido brasileiro
Há uma semana, quando uma consternada Dilma Rousseff se dirigiu à nação para comentar a abertura de um processo de impeachment contra ela no Congresso, 11 ministros do governo alinharam-se ao lado da Presidente numa demonstração de apoio. Uma ausência deu particularmente nas vistas: a do seu vice, Michel Temer, presidente do maior partido brasileiro, o centrista PMDB, que tem sido um aliado do PT nos últimos cinco anos de governação. Temer, 75 anos, é o primeiro na linha de sucessão de Dilma, caso o impeachment tenha efeito. Se isso vier a acontecer, confirma-se a estranha vocação do PMDB para assumir o poder: nenhum dos peemedebistas (como são designados os membros do partido) que chegaram à presidência da República nas últimas três décadas de redemocratização do Brasil foi eleito directamente para o cargo. Em 1985, José Sarney ocupou o Palácio do Planalto porque era o vice de Tancredo Neves, que morreu antes de tomar posse. No final de 1992, Itamar Franco substituiu Fernando Collor de Mello, quando este foi afastado da presidência num processo de impeachment.
Michel Temer não se pronunciou publicamente desde que outro membro do seu partido, Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, accionou os procedimentos para uma possível destituição da Presidente, deixando no ar a especulação de que está a movimentar-se nos bastidores para se afirmar como um líder alternativo. Tem fama de ser um dos mais discretos políticos brasileiros, deixando outros membros do seu partido serem os porta-vozes das críticas que gostaria de fazer a Dilma mas não pode em virtude do cargo que ocupa.
O ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha, pertencente ao PMDB e aliado do vice-presidente, demitiu-se do governo dois dias depois do pedido de impeachment ter sido anunciado, o que foi lido como um claro sinal de que Dilma não poderia contar com o apoio do PMDB nem de Temer.
De então para cá, a Presidente e membros do governo ligados ao PT têm procurado cerrar fileiras em torno de Temer, empurrando-o para uma posição em que ou se manifesta contra o impeachment ou corre o risco de ser acusado de traidor e oportunista. Na quinta-feira, foi chamado ao Palácio do Planalto para um encontro com Dilma, que durou 20 minutos e, segundo a revista Época, “foi uma conversa fria” em que a Presidente pediu o seu apoio e Temer não se comprometeu. Enquanto isso, o ministro da Comunicação telefonava a jornalistas e políticos para dizer que Temer estava na cruzada contra o impeachment. No sábado, num discurso no Recife, Dilma disse que esperava “integral confiança do Michel Temer” e que tinha a certeza de “que ele a dará”. Temer, no entanto, escreveu uma carta pessoal a Dilma na segunda-feira à tarde, contradizendo a Presidente. “Sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã. Lamento, mas esta é a minha convicção”, diz a carta, que foi integralmente divulgada pela imprensa. Temer afirmou-se surpreendido com “o facto gravíssimo” de o Planalto ter revelado uma carta confidencial, mas o deputado Jean Wyllys, do PSOL (esquerda), notou que a carta parece ter sido escrito com claras intenções mediáticas, sugerindo que foi a equipa de Temer quem divulgou o seu conteúdo. Na carta, Temer acusa Dilma de tratá-lo como um “vice decorativo”.
“Todos sabemos que o Michel nunca teve influência no governo. Tem uma participação no governo, o que é diferente”, diz o gaúcho Pedro Simon, ex-senador do PMDB, ao PÚBLICO. “Ele nunca teve nenhuma reunião fechada com Dilma, com Lula, com o ministro das Finanças para decidir qualquer orientação do governo. Entre ele e Dilma há um tratamento cordial, mas nenhuma intimidade, nenhuma conversa pessoal.”
O apoio de Temer é fundamental porque o seu partido é o que tem maior representação no Congresso, e Dilma precisa desses votos para conseguir travar o processo de destituição. Muitos analistas consideram que uma das principais razões pelas quais Collor de Mello não resistiu ao impeachment em 1992 foi por não ter o apoio do PMDB. Além disso, a oposição ao governo está neste momento fragmentada e não existe uma frente concertada e maioritária que conduza o processo de destituição. Outro motivo para evitar um conflito aberto com Temer: conter a possibilidade de que a oposição se articule em torno do vice-presidente. “Se não enxergarem no vice-presidente um líder, não há impeachment”, resumia há dias ao PÚBLICO o sociólogo Brasílio Sallum, professor na Universidade de São Paulo e autor de um livro sobre o impeachment de Collor.
A carta de Temer foi vista pela oposição como um sinal de ruptura entre Dilma e o seu vice. Temer afirmou ao Globo que o processo de impeachment tem fundamento jurídico, ao contrário das declarações feitas em seu nome por ministros do governo – do seu governo, não é demais lembrar.
Ideologicamente flexível, o PMDB que Temer dirige há 11 anos reparte-se entre governistas (defensores de alianças políticas, menos interessados em apresentar candidatos próprios à presidência do que oferecer apoio em troca de cargos no governo), dissidentes (que fazem oposição ao governo) e indecisos. E ainda há Eduardo Cunha, que não parece ter fidelidade a ninguém, a não ser a si próprio. Até recentemente, Temer fazia parte da ala dos governistas. Mas isso pode estar a mudar.