Relatório acusa México de obstruir investigação sobre estudantes desaparecidos
Peritos internacionais questionam investigações oficiais e o papel da polícia federal mexicana no desaparecimento de 43 estudantes em 2014.
Os peritos independentes que estiveram a investigar o desaparecimento de 43 estudantes mexicanos da escola de magistério rural de Ayotzinap acusam o governo mexicano de ter interferido nas inquirições, impedindo-os de chegar a uma conclusão definitiva sobre o que realmente sucedeu naquela noite de Setembro de 2014.
Segundo a AFP, estas são acusações expressas no relatório de mais de 600 páginas que foi preparado pelos investigadores da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em que estes se queixam de terem sido “bloqueados” pelas autoridades mexicanas e de terem enfrentado uma “forte campanha mediática” destinada a descredibilizar o seu trabalho.
Segundo os especialistas, as autoridades mexicanas demonstraram “pouco interesse” em seguir as pistas que foram sendo levantadas pelo inquérito e impediram-nos de entrevistar os 17 detidos que são suspeitos do desaparecimento dos estudantes. Estes foram vistos pela última vez a entrar em carros da polícia a 26 de Setembro de 2014, na cidade de Iguala, depois de terem participado numa marcha de protesto contra reformas no sistema de educação.
Embora as autoridades mexicanas garantam que os peritos independentes tiveram pleno acesso aos elementos da investigação, os investigadores queixam-se do contrário. O facto de o contacto com os suspeitos detidos lhes ter sido vedado “demonstra que certos sectores não estão interessados em que a verdade se saiba”, acusou o advogado colombiano Alejandro Valencia, numa conferência de imprensa.
O relatório denuncia, com base em relatórios médicos, suspeitas de “maus tratos e tortura” aos 17 suspeitos e questiona o papel da polícia federal nos acontecimentos de 2014. Os especialistas dizem que estas forças estiveram no local do desaparecimento, já que há relatos de outros estudantes de que os agentes lhes terão apontado armas e forçado a descer dos autocarros. Outros testemunhos de membros de uma equipa de futebol que também passou pelo local no seu autocarro dizem ainda que os polícias federais montaram um bloqueio aos estudantes.
Mas a versão oficial é bem diferente. Segundo as conclusões de sucessivas investigações conduzidas pelo governo de Enrique Peña Nieto, na noite de 26 para 27 de Setembro os estudantes foram atacados pela polícia municipal de Iguala (que fica no estado de Guerrero, controlado pelo cartel Guerreros Unidos), a mando do então presidente da câmara, José Luís Abarca, e da sua mulher, Maria de Los Ángeles Pinedo (entretanto detidos). Os estudantes terão sido entregues aos membros dos Guerreros Unidos, que os terão assassinado e feito desaparecer os corpos, queimando-os num aterro em Cocula, no sul do México.
Porém, os especialistas da CIDH rejeitaram estas conclusões e garantem que não têm provas de que uma incineração de tal dimensão tenha ocorrido naquele lugar. A AFP diz ainda que o relatório revela que o exército esteve sempre a par das movimentações dos estudantes através do seu centro de comando regional e que um oficial chegou a tirar fotografias de confrontos entre os jovens e a polícia municipal.
Os investigadores da CIDH garantem que tentaram, por diversas vezes, questionar alguns dos 500 militares destacados em Iguala, mas sem sucesso.
Também pediram às autoridades que esclarecessem as alegações de que um batalhão do exército apelidado como “Satânico” está implicado no tráfico de armas com os Guerreros Unidos, mas não obtiveram resposta.
Uma das hipóteses admitida pelos especialistas é a de que os estudantes tenham sido atacados pelo facto de que, entre os cinco autocarros de que se apropriaram para o protesto, um deles estava destinado ao tráfico de heroína, que acabaram por desviar inadvertidamente.