Dilma: “Posso ter cometido erros, mas não cometi crimes”
Depois de ter sido oficialmente notificada do seu afastamento, Dilma fez um último discurso antes de deixar o palácio presidencial. Prometeu lutar para exercer o seu mandato até ao fim.
Afastada da Presidência da República de madrugada por uma votação maioritária no Senado brasileiro, Dilma Rousseff deixou a promessa, esta quinta-feira de manhã, de que o processo não acabou e que vai lutar para exercer o seu mandato até ao fim. “Nunca imaginei que seria necessário lutar de novo contra um golpe no meu país”, disse, no Palácio do Planalto, referindo-se ao impeachment a que foi sujeita. Dilma, que integrou a luta armada contra a ditadura brasileira, instaurada em 1964 por um golpe militar, disse orgulhar-se de ser a primeira mulher eleita Presidente da República no Brasil e afirmou que vai “lutar com todos os instrumentos legais” para exercer o seu mandato até ao fim. “Até ao dia 31 de Dezembro de 2018”, precisou.
Vestida com um casaco branco, Dilma falou numa tribuna, rodeada por membros do seu executivo, deputados do Partido dos Trabalhadores e aliados, alguns deles emocionados. Avisou os jornalistas presentes que iria fazer uma declaração e não uma conferência de imprensa – ou seja, não iria responder a perguntas. Durante 15 minutos, a Presidente brasileira – afastada provisoriamente por um período máximo de seis meses, enquanto o Senado vai instaurar a fase de julgamento – leu um discurso da sua autoria em que disse estar a ser punida por um crime que não cometeu e ser vítima de “uma farsa jurídica e política”. “Posso ter cometido erros, mas não cometi crimes. Não tenho contas no exterior. Não recebi subornos. Jamais compactuei com a corrupção. Esse é um processo injusto, desencadeado contra uma pessoa honesta e inocente.”
Repetindo o que tem vindo a dizer publicamente no último mês, Dilma classificou o impeachment como “um verdadeiro golpe” praticado por uma oposição que não aceitou o resultado das eleições de Outubro de 2014 e passou “a conspirar abertamente” para removê-la do cargo e assumir o poder. Sem nomear Michel Temer, o seu vice-presidente, de outro partido, que se tornou esta quinta-feira no Presidente em exercício, afirmou que o novo governo “nasce de um golpe, de um impeachment fraudulento, de uma espécie de eleição indirecta”.
Dilma lembrou que enfrentou “muitos e grandes desafios”, como a tortura durante a ditadura militar, e a doença, quando lhe foi diagnosticado um linfoma (cancro no sangue). “Agora sofro a dor inominável da injustiça”, disse. “Mas não esmoreço.”
A Presidente, que é afastada 15 meses depois de ter sido inaugurado o seu segundo mandato, é acusada de irresponsabilidade fiscal, por ter decretado aumentos orçamentais sem aprovação do Congresso e ter usado bancos estatais para pagar despesas públicas, mascarando o estado real das contas do Estado. Dilma insistiu que essas acções foram legais e necessárias, além de terem sido executadas pelos seus antecessores. “Jamais em democracia o mandato legítimo de um Presidente eleito pode ser afastado por actos legítimos de gestão orçamental. O Brasil não pode ser o primeiro país a fazer isso”, declarou.
Ao terminar o discurso, Dilma saiu a pé do Palácio do Planalto, e foi abraçada pelos seus aliados e apoiantes, incluindo um abatido Lula da Silva, o ministro nomeado que nunca chegou a sê-lo. Em coro, gritaram “Dilma, guerreira! Da pátria brasileira!” Dilma cumprimentou de perto as cerca de três mil pessoas (estimativa da Polícia Federal) que se concentravam frente ao palácio presidencial, em Brasília, muitas delas mulheres. Falou por minutos ao microfone, repetindo que foi vítima de um golpe e de uma injustiça. “Hoje para mim é um dia muito triste”, admitiu. “Mas vocês conseguem fazer com que a tristeza diminua”, disse. A multidão gritou “Fora Temer” no final.