Com um festival de Verão, as FARC celebram fim da clandestinidade

Movimento rebelde marxista abriu as portas da sua Conferência Nacional Guerrilheira, a última antes da assinatura do acordo de paz com o Governo da Colômbia. e Preparam transição para a vida civil.

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A primeira Conferência Nacional Guerrilheira das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) aberta ao público é, também, a última. O movimento rebelde marxista, formado por 48 camponeses em 1964, prepara-se aprovar, esta sexta-feira, o abandono definitivo da luta armada contra o Estado e a sua reconversão numa organização política legítima, integrada no jogo democrático do país.

“As FARC reconhecem neste momento que não há uma solução militar e que as nossas diferenças podem ser resolvidas no plano político, como em todos os países civilizados do mundo”, resumiu o comandante guerrilheiro Carlos Antonio Lozada, à BBC Mundo.

Nas clareiras da selva na remota região de El Diamante, a décima conferência das FARC parece menos um acontecimento político histórico e mais um festival de Verão, com um acampamento repleto de actividades lúdicas, incluindo campo desportivo, e um palco principal, completo com jogos de luz e fumo, por onde têm passado algumas das bandas mais populares da música colombiana todas as noites.

“Fui lá ver o que aquilo era, mas vim logo embora, já me doíam os ouvidos”, confessou David Preciado, guerrilheiro das FARC desde os 14 anos e um dos mais de 800 delegados a participar na conferência. Depois de quase 20 anos passados na selva (agora tem 33), nunca tinha assistido a um concerto, confessou ao repórter do The Washington Post. “É uma das muitas coisas a que vou ter de me habituar”, acrescentou.

A vida de David, e de cerca de 7000 rebeldes das FARC (o número de guerrilheiros é impreciso), está prestes a mudar. Ao fim de décadas de clandestinidade, prepara-se para desmobilizar e integrar a vida civil. O momento por que espera com mais ansiedade é o do reencontro com os seus pais e irmãos, que não vê desde 1997, quando se juntou ao movimento. “Eles não sabem se estou vivo ou morto”, diz David, que não sabe se conseguirá abraçá-los convenientemente – perdeu o braço esquerdo em combate, em 2010. Nem sabe o que fazer com a emoção acumulada todos estes anos: “Penso que vou chorar um mar de lágrimas”, confessa.

Também foi com lágrimas nos olhos que Roberto Méndez, um “veterano”, ouviu o líder das FARC, Rodrigo Londoño Echeverri, ou Timochenko, discursar sobre o futuro. “Emociono-me ao imaginar como será viver em paz”, explicou. Os seus últimos dias de acampamento na selva têm sido passados a falar de reconciliação nacional, e a repetir slogans como “paz com justiça social e democracia avançada” que servirão de doutrina política ao partido que substituirá o movimento revolucionário – e que ainda não tem nome. De resto, também se conhece pouco sobre o seu futuro programa: o que tem transparecido nas conversas da conferência é que será de esquerda (embora aparentemente não siga a linha “bolivariana”), fará do combate às desigualdades sociais e à corrupção as suas principais bandeiras e defenderá propostas para o0 desenvolvimento rural.

Historicamente, as conferências nacionais guerrilheiras serviram para a liderança da insurreição apresentar às suas diferentes unidades as principais decisões do movimento – isto é, acções militares. Ao abrir oficialmente os trabalhos, Timochenko explicou a todos por que esta décima edição era absolutamente excepcional: “Depois de 52 anos contínuos de confrontação política e militar com o Estado colombiano, reunimo-nos aqui com a mais ampla representação de guerrilheiros e com a grande satisfação de termos alcançado a paz”, declarou.

Nos últimos seis dias na chamada savana de Yari, na fronteira da floresta amazónica, a guerrilha tem estado a discutir os próximos passos – a única parte dos trabalhos da conferência que esteve vedada às largas dezenas de jornalistas colombianos e estrangeiros convidados a assistir ao evento. As decisões, que serão apresentadas esta sexta-feira, dia de encerramento da cimeira, terão “carácter vinculativo” para todos os membros das FARC, insistiu Timochenko: se nesta reunião for ratificado o acordo de paz assinado em Cuba com o Governo colombiano, todos os guerrilheiros entregarão as suas armas e renunciarão à insurreição, repetiu.

Essa é, agora, uma das principais preocupações da liderança: que vários dos seus membros se tornem dissidentes, declarados como paramilitares, e prossigam a luta armada. Muitos deles anunciaram-no, ao rejeitar participar na conferência. Ficarão de fora do acordo, que prevê um período de transição de seis meses para todos os guerrilheiros, que terão de registar-se em “zonas de desmobilização” supervisionadas. Também estabelece um regime jurídico de “reparações” às vítimas das FARC, segundo o qual todos os arrependidos que confessarem crimes violentos (agressões, raptos) tenham “restrições à liberdade” alternativas a penas de prisão.

Um pacto que mudará o país e a região

Enquanto o secretariado das FARC apresentava aos seus guerrilheiros o acordo de paz, o Presidente colombiano, Juan Manuel Santos, anunciava em Nova Iorque, que “há menos uma guerra no mundo”. Na quarta-feira à noite, Dia Internacional da Paz, Santos, discursou perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, a quem anunciou “com toda a força da [minha] voz e do [meu] coração que a guerra na Colômbia acabou”.

Santos distribuiu por vários líderes internacionais cópias do acordo definitivo de paz que o seu Governo e as FARC vão assinar já na próxima segunda-feira, na cidade de Cartagena – “É uma grande conquista, não quero deixar de dizer como me congratulo que tenham dado este passo histórico que põe fim à mais longa guerra da América Latina”, comentou o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao receber o documento de 297 páginas. “Acreditamos que este pacto não mudará só a Colômbia, mas toda a região”, retorquiu Santos.

 

 

 

 

 

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