Ataque de Nice acaba com a frágil “unidade nacional” na política francesa

Manuel Valls assobiado em homenagem às vítimas. Em clima pré-eleitoral, a direita utilizou o ataque para endurecer as críticas ao Governo e preparar o terreno para as presidenciais.

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Manuel Valls durante a homenagem às vítimas do ataque de Nice Valery Hache / AFP

Terminado o período de três dias de luto nacional, o Governo francês está na mira das críticas pelas falhas de segurança que terão permitido o massacre de quinta-feira em Nice, no qual morreram 84 pessoas.

A imprensa francesa está a dar como enterrado o clima de “unidade nacional” que tinha vigorado desde a recente onda de ataques terroristas, iniciada em Janeiro do ano passado com o atentado na redacção do semanário satírico Charlie Hebdo. À carga simbólica do ataque em Nice — ocorrido no feriado nacional do Dia da Bastilha, 14 de Julho, — junta-se a aproximação do período pré-eleitoral.

O partido conservador Os Republicanos (conhecido anteriormente como União para um Movimento Popular) vai ter eleições primárias em Novembro para escolher o candidato que irá disputar as Presidenciais do próximo ano. O antigo Presidente, Nicolas Sarkozy, é um dos favoritos e foi ele um dos primeiros a usar o ataque de Nice como arma política.

“Tudo o que deveria ter sido feito nos últimos 18 meses não foi feito”, afirmou durante uma entrevista na noite de domingo no canal TF1. Sarkozy, que se tornou famoso pelas políticas de forte repressão enquanto ministro do Interior, decidiu radicalizar o discurso e propôs uma série de medidas para endurecer o combate ao terrorismo. Entre elas está a “expulsão” as pessoas de origem estrangeira presentes na lista S (um documento secreto que junta cerca de dez mil pessoas consideradas perigosas para a segurança do Estado e na qual, por exemplo, não se encontrava o autor do atentado de Nice).

Nem mesmo o mais moderado Alain Juppé, principal adversário de Sarkozy no partido, resistiu a atirar culpas para o Governo e para o Presidente, François Hollande. “Se todas as medidas tivessem sido tomadas, o drama de Nice não teria ocorrido”, afirmou numa entrevista logo no dia seguinte ao ataque.

O Governo liderado por Manuel Valls tem tentado responder às críticas assegurando que “nenhum Governo fez tanto até agora pela luta contra o terrorismo”. Num comunicado assinado por Valls e pelo ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, é deixado ainda o apelo à “necessidade de unidade nacional”.

Já antes Manuel Valls tinha alertado para o comportamento de “certos políticos irresponsáveis” que dizem que um ataque do género era “inevitável”. “O risco zero não existe, dizer o contrário é mentir aos franceses”, afirmou o primeiro-ministro em entrevista ao Journal du Dimanche.

A troca de acusações entre Governo e oposição contrasta com a reacção imediata ao ataque contra a redacção do Charlie Hebdo, em que uma marcha de solidariedade encheu as ruas de Paris e uniu políticos de quadrantes diferentes.

“Depois de Janeiro, havia uma impressão de que estes eventos não teriam necessariamente um seguimento e, portanto, foi a emoção que prevaleceu de forma natural. Depois, a chegada do 13 de Novembro [quando um grupo de homens armados matou 130 pessoas em Paris] serviu de transição. E agora o 14 de Julho, onde a opinião pública percebeu que estamos verdadeiramente num ciclo estrutural de terrorismo islamista”, observa o director da empresa de sondagens PollingVox, Jérôme Sainte-Marie, citado pelo Le Figaro.

O partido de extrema-direita Frente Nacional, que nunca integrou este consenso entre as forças moderadas, disse ter tido um “boom” de filiações nos dias seguintes ao atentado de Nice, embora não tenha revelado os números.

A verdade é que a confiança no Governo e em Hollande para fazerem face ao terrorismo caiu na sequência do ataque de Nice. Apenas 33% dos inquiridos julgam que os actuais líderes estão em condições de lidar com as ameaças à segurança nacional, face a mais de 50% após os outros dois atentados. Mas mais do que a força dos números, a mensagem de que a confiança depositada no Governo sofreu um forte abalo foi dada pelas pessoas que receberam Manuel Valls no Passeio dos Ingleses com vaias, assobios e pedidos de demissão esta segunda-feira para uma homenagem pública às vítimas.

 

 

 

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