Activistas angolanos: “Querem matá-los aos poucos, sem deixar provas”
O drama das famílias dos 17 activistas angolanos, contado por quem os visita: como são as prisões onde estão? Como estão a ser tratados? Há cadeias com ratazanas, sanitas sem água, em nenhuma se dá o básico: água potável. Esta semana, um deles escapou de uma facada.
A água nas cadeias em Angola nem sempre aparece. Há casos em que nem na sanita corre. Para beber é preciso que alguém a compre. Dentro das prisões gerou-se um negócio à volta dos bens de primeira necessidade, com denúncias de guardas que não deixam comida e bebida entrar para levar as pessoas a comprar lá dentro.
Muitos dos activistas temem ser envenenados, por isso esperam que família ou amigos levem marmitas com comida. Alguns estão nas mesmas celas que homicidas. Colchões e lençóis nem todos têm. As deslocações a alguns presídios são descritas como um pandemónio: para chegar à cadeia de Caquila, por exemplo, é preciso atravessar um mar de lama. Noutra, Caboxa, houve um tiroteio entre presos, que quase apanhou um dos activistas. Muitas ficam longe: além do tempo, há quem tenha dificuldade em gastar cerca de 16 euros em transportes.
Estas são as descrições feitas ao PÚBLICO por familiares e amigos dos activistas e que traçam um retrato das cadeias por onde foram distribuídos os 17 jovens condenados, a 28 de Março, fará esta segunda-feira duas semanas.
Aos dramas de como os ir visitar e assegurar-lhes os bens básicos que as cadeias deveriam dar, algumas famílias tiveram que gerir perdas de filhos por febre-amarela – há uma epidemia desta doença em Angola que já matou mais de 200 pessoas. Noutros casos, por medo de represálias, as famílias deixaram de apoiar os activistas.
Os jovens tiveram penas de entre dois e oitos anos e meia de cadeia pelos crimes de “actos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores”. A defesa, que interpôs recurso, fez um pedido de habeas corpus para que os reclusos aguardem a decisão em liberdade. Contactados pelo PÚBLICO desde segunda-feira, os serviços prisionais angolanos não deram qualquer resposta até sexta-feira ao final do dia.
“A situação está mesmo péssima”, relata o activista Adolfo Campos, do mesmo Movimento Revolucionário dos activistas presos. “Os nossos companheiros estão misturados com assassinos, pessoas perigosas, e pessoas que têm doenças transmissíveis, como a tuberculose.” Além do mais, a falta de água em algumas prisões durante dias obriga os presos a depositar as necessidades em sacos de plástico, aumentando o risco para a saúde.
Pedrowski Teca, jornalista e activista do mesmo movimento, apela: “Libertem os jovens, ainda é cedo. Ainda podemos construir um país melhor com base no diálogo e tolerância. Nós, jovens revolucionários, viemos para mostrar o verdadeiro rosto do regime angolano. E destapar as lacunas dos serviços prisionais que têm este tratamento desumano.”
Cadeia de Caquila
Domingos da Cruz, José Gomes Hata, Hitler Samussuku, Albano Bingo Bingo
Quando visita Domingos da Cruz, em Caquila, Esperança Gonga vai sempre com uma ideia: dizer ao marido que não serve de nada perder a calma. “Receio que tenha um colapso, um esgotamento nervoso”, diz. “No início, quando foi condenado, estava perturbadíssimo. Rangia os dentes, roía as unhas. Aquilo foi uma manifestação nervosa. Se continuasse, podia desencadear uma perturbação nervosa. São muitos numa cela só, e o espaço é muito quente. Além de poderem contrair doenças, esse ambiente pode afectar o estado psíquico deles.” É preferível as filhas de 11 e 8 anos não verem o pai, do que o verem “na condição em que ele se encontra”, diz.
O investigador e professor na Universidade Independente em Luanda é autor de livros políticos, entre eles a brochura que serviu de discussão quando eles foram detidos a 20 de Junho numa casa em Luanda (Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura — Filosofia Política da Libertação para Angola, uma “leitura” de Da Ditadura à Democracia, de Gene Sharp). Entre os 17, foi o activista condenado à pena de prisão mais alta: oito anos e seis meses.
Os presos de Caquila dormem sem colchão, sem lençol a cobri-los, retrata a mulher. O chão de betão assenta num local isolado, arenoso, que se enche de lama quando chove. O ar, de tão abafado, sufoca – as temperaturas oscilam entre a mínima de 25 graus e a máxima de 32 graus neste momento em Luanda.
Quando chega, Esperança Gonga vê como os presos, “enclausurados nas suas celas, se colam ao gradeamento, à procura da ventania.” Domingos da Cruz está numa cela com três dos activistas com ele condenados, José Gomes Hata, Albano Bingo Bingo e Hitler Samussuku.
As condições de higiene são “degradantes”, descreve Esperança Gonga: “Muitas ratazanas, muitas baratas, muitas formigas.” O medo de muitos familiares são as doenças e a falta de confiança e no próprio sistema. E o próprio sistema. “Eles só comem o que nós levamos. E só bebem a água que lhes entregamos. A cadeia tem canalização, mas não tem água, neste momento. A água tem que ser tirada do rio e sai muito suja.”
A irmã de Hitler Samussuku habituou-se a dizer que ele está bem, assim como ele, com 26 anos, se habituou a fingir o mesmo por causa da saúde frágil da mãe. Sem querer que se revele o nome, mas querendo que se saiba que é a irmã de Hitler que fala, conta que toda a família o visita: mãe, pai, irmã e irmão. “Ele mostra uma aparência boa, ele está a fingir, eu sei. Faz isso porque a nossa mãe é doente, tem problemas de tensão e do coração. O estado dela só piorou desde que ele foi preso [em Junho] e agora desde que foi condenado.” A irmã comove-se. “As condições na prisão são péssimas. Ele está mesmo a ser maltratado. Vejo nos olhos dele que não está bem. Está perturbado, já não reconhece a família da mesma maneira. Sinto que não é mais o mesmo, parece estar a ficar maluco. Fica com os olhos vermelhos. E só não chora porque não quer que a mãe o veja a chorar. Durante as visitas, ele tenta dizer-nos alguma coisa, mas está rodeado de polícias a ouvir a conversa, que não o deixam falar livremente.”
Por momentos, não contém as lágrimas e as suas palavras são pedidos de ajuda. Tem de haver uma saída, diz. “É uma situação difícil para os familiares. A prisão é mesmo distante. É num deserto. A gente nem sabe que aquilo existe. Eu tenho a impressão que eles querem matá-los paulatinamente. Assim aos poucos, sem deixar provas. Pode ser daqui a um ano. Nós todos temos essa impressão e o medo de eles serem deixados a morrer aos poucos”, diz. Samussuku foi condenado a quatro anos e seis meses. “Mesmo na sala, olhando para eles, alguma coisa não vai bem. Nenhum deles está bem.”
Albano Bingo Bingo tem 29 anos, não tem família em Luanda. São os pais de Nito Alves que têm tomado conta dele. E o amigo Emiliano Catombela é quem lhe costuma levar comida e água à cadeia onde cumpre uma pena de quatro anos e dois meses.
Mas de Viana, onde mora, até Caquila, Emiliano Catombela demora mais de uma hora e gasta 4000 kwanzas (21 euros): a prisão fica perto do rio Kwanza, e há imensa lama, por isso os táxis não querem ir ou cobram mais um preço mais elevado. Quando chegou, Bingo Bingo queixou-se ao amigo de que não tinham colchões, nem lençóis, essenciais por causa dos mosquitos, portadores da malária, a causa principal de morte em Angola. “Sempre digo para ele ficar sereno”, conta o jovem também activista, que em 2013 esteve preso durante um mês e meio por participar em manifestações.
A família de Bingo Bingo é do Huambo e deixou de o apoiar quando ele se juntou ao Movimento Revolucionário, dizem ao PÚBLICO o advogado Zola Ferreira e a mãe de Mbanza Hamza que conhece a situação. “Aconteceu com muitos de nós”, diz um dos coordenadores do movimento, Albano, também jurista: “Somos perseguidos todos os dias. E há famílias que não querem estar envolvidas.” Zola Ferreira acrescenta: “Alguns familiares resistiram. Outros não conseguiram e, face às ameaças, cederam às pressões.”
Também o irmão de José Gomes Hata, 31 anos, licenciado em Relações Internacionais, professor do 1.º ciclo, diz que as condições na prisão são “degradantes”. “Não há colchão, não há lençol, falta água, falta tudo”, resume José António Pascoal. E faltam todas as outras coisas que Hata pede aos familiares e à mulher: roupa lavada e livros.
As filhas de três e sete anos habituaram-se à condição do pai e à presença de quatro polícias à porta de casa quando os 15 dos 17 activistas entretanto condenados estavam em prisão domiciliária. “Em casa, viviam esse drama, estavam inquietas”, diz o tio das meninas. E inquietas continuam, sempre a querer saber quando voltará para casa, e sem poderem visitar o pai, condenado a quatro anos e seis meses. “Ele próprio não deixa que elas vão vê-lo, a prisão não é lugar para as crianças”, diz António Pascoal.
Prisão de Caboxa
Sedrick de Carvalho, Arante Kivuvu, Inocêncio de Brito, Benedito Jeremias
O medo paira de forma mais intensa na cadeia de Caboxa, onde estão Inocêncio de Brito, Arante Kivuvu, Benedito Jeremias e Sedrick de Carvalho. A violência entre reclusos nesta prisão, na segunda-feira, que acabou com um morto e sete feridos, ia apanhando o jornalista Sedrick de Carvalho, 26 anos. Neusa, a mulher, diz que o marido, condenado a quatro anos e meio, escapou por pouco a uma facada na barriga.
Ele “está calmo, a aguentar”, acrescenta Neusa, mas a família e outros activistas querem a transferência dos presos do movimento para outra cadeia, segundo a advogada Marisa Moniz.
Estão todos juntos numa cela – ao todo são 11 num espaço onde deveriam estar seis, e estão ao lado de homicidas, diz a mulher de Sedrick, Neusa. O casal tem uma filha de dois anos.
As condições são “péssimas”, descreve. Ao jornalista do Folha 8, jornal crítico do regime, a mulher leva comida e bebida – pelo medo de ser envenenado não come nada da prisão.
Benedito Jeremias e os amigos presos na prisão de Caboxa estão traumatizados com a violência a que assistiram no início da semana, diz a mulher Henriqueta Diogo. “Viram pessoas serem esfaqueadas, batidas, e isso criou um certo trauma na cabeça deles.” Além do trauma, sentem-se inseguros. “Muitas vezes eles foram ameaçados. Houve presos de lá que se tornaram seus amigos e, nos momentos piores, os protegeram. Mas eles correram muito risco de vida.”
Também devido às agressões e ao tiroteio, a direcção da cadeia tomou a decisão de os manter fechados todas as 24 horas do dia. Não saem para o exterior. Não apanham sol. “Estão fechados na sala o dia todo. Vamos visitá-lo, para o motivar, para ele saber que estamos com ele, para levarmos comida. Eles dependem mesmo dos familiares para comer. A maior parte do tempo não se alimentam com proteínas”, acrescenta Henriqueta. “A saúde deles vai ficando cada dia mais debilitada. E eu fico cada dia mais triste com este Governo. É triste ver como tiram a liberdade aos jovens assim. Eles são pais, chefes de família. Eles são filhos. É muito sofrimento para eles e para as famílias. É degradante e humilhante para eles que têm tudo para dar certo na vida. Como podem ser considerados golpistas?”, questiona com revolta.
Benedito Jeremias trabalhava como funcionário público depois de concluir duas licenciaturas – em Administração Pública e Ciência Política. Com 30 anos, tem dois filhos de oito anos. “É triste viver assim. É triste para mim, mas principalmente para ele, o meu marido, por estar ali dentro e ser inocente.” Henriqueta fala sem pausas, como quem deseja partilhar tudo o que tem para dizer ao fim de um dia em que andou de transporte em transporte, rodeada de pessoas sem poder falar, na ida e no regresso da prisão que fica a mais de duas horas de viagem da sua casa. Não sabe o dia de amanhã. Não consegue aceder à conta do marido desde o mês passado. “São coisas básicas”, diz Henriqueta das coisas que lhe faltam a ela, mas sobretudo das coisas que faltam aos presos. “Coisas básicas que eles precisam de ter. A água canalizada vem toda castanha, vem suja. É esta água que eles usam para tomar banho. Podem apanhar uma infecção. Mas o mais grave ainda é se eles vierem a beber dessa água.”
“A situação não dá para fazer mais nada”, diz Lídia, a irmã de Arante Kivuvu, condenado também a quatro anos e meio, que lhe leva comida, e conseguiu visitá-lo na véspera do tiroteio.
O jovem de 21 anos trabalhava em transportes e era estudante universitário, tinha-se mudado para mais perto da cidade de Luanda para casa de um tio.
O pai morreu e a mãe foi para as Lundas no Norte do país. Mas desde que foi preso o tio deixou de querer saber dele. “Nunca ligou para mim, nem para ele para saber como ele está ou do que precisa”, lamenta Lídia.
Nesta cadeia de Caboxa adensa-se o medo dos activistas misturados em celas com homicidas e outros criminosos violentos, diz a irmã de Inocêncio de Brito. Pai de dois filhos de quatro e seis anos, o activista de 29 anos frequentava o 4º ano na Faculdade de Economia na Universidade Católica de Angola em Luanda, quando foi detido em Junho. Não voltou a estudar. E poucas vezes vê a família, diz a irmã Marcelina de Brito. “Não temos carro, temos de ir de transporte, é longe e caro, não podemos lá ir muitas vezes.”
Os guardas não deixaram entrar a água mineral que a mãe levou para o filho, obrigando-a a comprar uma água na cantina da prisão. Também não deixam entrar leite ou iogurtes. “Estão a alimentar-se mal e já emagreceram”. Realça o que mais a preocupa: “O horror e o medo que eles têm” de partilhar o espaço com homens condenados por homicídio. As famílias “têm medo de que alguma coisa lhes aconteça lá dentro.” Eles próprios na rixa na cadeia foram ameaçados, conta Marcelina de Brito. “Os efectivos não conseguem manter a ordem. Além da nossa condição financeira, está tudo a acontecer ao mesmo tempo. Tudo de mau. Estão a acabar com a nossa família.” Que mais têm a perder?, interroga-se. “Já estamos acostumados a ser perseguidos. Vamos calar-nos até quando?”
Comarca de Viana
Nito Alves, Laurinda Gouveia, Rosa Conde
Nito Alves foi um dos primeiros a ir para a cadeia ainda antes de o julgamento terminar, pelo crime de injúria aos magistrados. "Não temo pela minha vida, este julgamento é uma palhaçada", disse numa das sessões. Quando no dia 28 chegou ao tribunal para ouvir a sentença de quatro anos e meio de prisão, estava já com paludismo, recorda o pai, Fernando Baptista. “Quase desmaiava. Foi julgado assim.” Ao contrário do que foi pedido pelos advogados, não o levaram para o Hospital-Prisão São Paulo.
Entretanto, melhorou, apesar de continuar com ar de doente, desabafa a mãe, Adália Chivonde. Mas não o deixam sair da cela sem autorização, não o deixam apanhar sol ou ter acesso a actividades de lazer “como os outros presos”, continua. “Levo sempre comida e bebida. Levamos o lençol, não sabemos onde vai dormir. A prisão não tem condições, tem muitos presos doentes”, queixa-se.
Os pais vivem em Viana e podem visitá-lo facilmente por ser perto. Também visitam a namorada de Nito Alves, Laurinda Gouveia, no Estabelecimento Penitenciário Feminino de Viana. Ela, Albano Bingo-Bingo e Nito Alves partilhavam casa.
O filho de 19 anos interrompeu a universidade, e o pai acha que deveria ter acesso à escola dentro da prisão, no mínimo. “Estar preso não significa perder todos os direitos”, diz Fernando Baptista. “Eles não mataram ninguém, e tinham que ter o mínimo de condições.”
A irmã de Laurinda Gouveia, 27 anos, Susana, já a foi visitar a Viana e sentiu-a triste.
Foi condenada a quatro anos e meio. “Parece que está bem, mas não. Estava com lágrimas nos olhos. Disse que não contava com este desfecho.”
Laurinda Gouveia, estudante de Filosofia na Universidade Católica, era a repórter do grupo: tirava fotos e filmava a brutalidade da actuação da polícia. Isso valeu-lhe represálias. “Sempre que havia detenções era a primeira a divulgar”, lembra Sizaltina Cutaia, da organização não-governamental Open Society.
Laurinda divide um beliche com Rosa Conde, 28 anos, condenada a dois anos e três meses.
A comida fê-las “passar mal”. Relataram ter a impressão que lhes deram “arroz com água suja”, recorda Sizaltina Cutaia que no domingo passado visitou as duas activistas e está ligada ao Movimento 2+15 com o objectivo de sublinhar a luta destas duas mulheres.
“Pelo que elas disseram estavam bem. A cela é relativamente asseada. Há um programa na cadeia para desenvolver a auto-estima onde trabalham a apresentação física das reclusas.” E acrescenta: “O que se diz de modo geral é que a ala feminina é melhor que a masculina. Mas para ter mais informações é preciso fazer mais visitas”, sublinha.
Sizaltina critica, porém, o sistema na cadeia onde se criaram lojas com bens de primeira necessidade para levar aos presos – um negócio com quem alguém estará a lucrar, comenta, por seu lado, Pedrowski Teca, namorado de Rosa Conde. Segundo Pedrowski Teca é muito difícil comer o que lhe dão na cadeia, “é uma comida desumana”, “o arroz nem coze”. “Em contrapartida os familiares são compelidos pela situação a levar comida e água, porque a que está na cadeia traz doenças.” Os serviços prisionais “não têm condições”, acusa, “temos que levar tudo, sabonete, papel higiénico…”
Na quinta-feira levou peixe a Rosa e este só lhe foi entregue no dia seguinte, já a comida tinha apodrecido.
Rosa Conde tem um filho pequeno, lembra Sizaltina. “Estamos numa sociedade em que o medo é património colectivo, ainda mais quando as pessoas têm um filho. É muito interessante uma mulher com um filho sentir-se compelida a participar nesse processo de manifestação”, elogia.
Prisão de Calomboloca
Nelson Dibango, Afonso Matias “Mbanza Hamza”, Osvaldo Caholo, Fernando Tomás “Nicolas Radical”, Luaty Beirão
Quando visita Nelson Dibango na cadeia de Calomboloca, Moisés dos Santos Miguel sai de casa pelas sete da manhã e só chega depois das sete da noite. Não ganha nada em estar lá cedo, mas é tal a necessidade de ver o filho de 33 anos, condenado a quatro anos e seis meses, que vai na mesma ao nascer do dia. A viagem de 110 quilómetros é longa por causa da estrada e do transporte.
Quando chega aos portões da cadeia os funcionários ainda não começaram o atendimento, por uma qualquer razão que não sabe explicar, e muito menos começaram a permitir as entradas. “Foi assim hoje e é assim sempre que lá vamos. Só consigo estar uma hora com o meu filho”, contou quinta-feira. Vê Dibango, técnico informático e estudante de Psicologia, através de uma grade de ferro, sentado num banco. “A visita é num parlatório, numa condição terrível”, diz da prisão onde, além de Dibango, também estão Luaty Beirão, Osvaldo Caholo, Mbanza Hamza e "Nicolas Radical".
Em pé, do lado de cá da grade, ficam também os irmãos de Nelson Dibango, a mulher que cuida dos dois filhos – um bebé de poucos meses e uma criança de cinco anos – e outros familiares, quando podem ir. “Eu vou sempre”, diz o pai. As visitas realizam-se duas vezes por semana. “Temos de transmitir-lhes a maior força para eles poderem resistir. Estão condenados. Já sabiam que o seriam. E sabem que o foram injustamente. A única coisa que fazem é resistir”, diz. “Felizmente foram agrupados no mesmo bloco. Estão solidários entre eles e vão-se animando”, conta. “Partilham a comida que vai chegando, o pouco que nós levamos. Quando vamos levamos uma refeição reforçada.” Nos restantes dias, só comem bolachas ou chourição e outros poucos alimentos autorizados.
No dia em que foi condenado a quatro anos e dois meses de prisão, Mbanza Hamza perdeu o irmão de sete anos. A criança morreu de febre-amarela nessa mesma segunda-feira: 28 de Março. Só quatro dias depois a mãe, Leonor Odete João, estava em condições de começar as visitas ao outro dos seus filhos, de 31 anos, na prisão de Calomboloca.
A viagem faz-se em quatro candongueiros (táxis colectivos) diferentes – de Luanda para Viana, de Viana para Catete, de Catete para Calomboloca e de Calomboloca para a prisão – e dura quatro horas na ida e outras quatro horas na volta. “Aquilo é muito longe e fica muito isolado”, diz a mãe de Afonso Matias, que escolheu para si o nome Mbanza Hamza, “Soldado Desconhecido”.
Antes de ser detido no dia 20 de Junho de 2015, com a maioria dos outros activistas que foram condenados, Mbanza Hamza trabalhava como professor numa escola depois de concluir uma licenciatura em Engenharia Informática. “Na prisão, ele está a perder tudo”, acrescenta. “Eles estão a perder tudo. Estão conscientes do que estão a fazer, mas querem lutar até às últimas consequências, mesmo sabendo isso.” Mbanza Hamza pediu para dar aulas na prisão, para que não lhe fosse cortado o ordenado do Ministério da Educação, com que sustenta a mulher e os dois filhos de cinco e dois anos, e a mãe. “Eu própria como mãe, dependo dele”, diz Leonor Odete João.
O único militar entre os activistas, Osvaldo Caholo, ameaçou suicidar-se em protesto contra as condições na cadeia de Calomboloca. Denunciou que os reclusos chegam a ter de beber água da sanita. “Falta de água, necessidades fisiológicas colocadas em sacos de plásticos, alimentação deficiente, falta de banhos de sol, colchões que ‘nem para animais devem servir’”: estas foram algumas das queixas que escreveu há uma semana numa carta. Elsa Caholo, a irmã, contou que entretanto Osvaldo Caholo, 33 anos, abandonou a hipótese de suicídio, e escreveu uma nota a pedir desculpa pelo choque que possa ter causado.
As queixas, porém, mantêm-se. Apesar de ter sido construída recentemente, a cadeia está com falta de água. Além de não haver água para beber e tomar banho, também falta para o saneamento básico. Os reclusos “não têm condições para fazer as necessidades, têm que pôr num saco e daí não sei onde põem”, contou Elsa sobre o relato do irmão.
No dia anterior ao julgamento, outra irmã de Osvaldo Caholo, que faria 40 anos, morreu com paludismo. “A mãe tinha toda a pressão psicológica”, descreve Elsa. A mãe Isabel Correia, que também foi visitar o filho na quinta-feira, lembra: “É um momento dramático. Para além do Osvaldo, tive o óbito [da filha]. Depois de enterrar a filha, na segunda-feira, tive o filho no tribunal e na terça-feira tivemos que andar à procura em que cadeia ele estava.”
Sara João Manuel, que na quinta-feira apanhou boleia de Mónica Almeida para visitar o marido Fernando Tomás “Nicola Radical”, mecânico nascido em 1979, queixa-se do mesmo: não há água, só deixam os familiares levar cinco litros para os detidos e lá dentro, na cantina, é muito mais cara.
“Passa o dia sem banhar. Ir na casa-de-banho é difícil, não tem água, não tem papel.”
O casal tem dois filhos rapazes, de oito e três anos, e Sara João Manuel queixa-se de que lhe bloquearam as contas bancárias.
Até à cadeia demora três horas, mesmo com a boleia, e gasta uns 5000 kwanzas (27 euros) em transportes. “Ele é que me sustentava. Neste momento estou com febre-amarela.” Quem a ajuda? Os irmãos.
Também Luaty Beirão denunciou à mulher, Mónica Almeida, as condições precárias em que se encontram. “Disseram que na segunda-feira iria um camião de água abastecer o estabelecimento e, no entanto, até esta quinta-feira nada de água”, conta.
Desde que chegaram, na semana passada, e até quinta-feira só tinham conseguido apanhar sol duas vezes. Os detidos são obrigados a esperar que as visitas lhes tragam de beber.
Lá dentro, o esquema era agarrar em garrafas de plástico vazias, cortá-las, virá-las ao contrário usando-as como funis para recolher a água da chuva.
Hospital-Prisão de São Paulo
Nuno Dala
Nuno Dala, 31 anos, é o caso mais dramático: está em greve de fome desde 10 de Março, há um mês. Não vai parar, segundo a mulher e a advogada. Detido no Hospital Prisão São Paulo, em Luanda, sobrevive a soro, e o soro tem que ser levado pela família, contou a mulher Raquel Chiteculo, pois os serviços não o fornecem, queixa-se. “Está em cadeira de rodas, quando queria levantar dizia que o coração batia rápido”, descreveu há dias ao PÚBLICO.
Dala fez greve de fome em protesto contra o facto de as autoridades lhe terem confiscado os seus bens na detenção, entre eles Bilhete de Identidade, cartão bancário, computador, impressora, telefone, documentos e livros – terminado o julgamento e ditada a sentença, as autoridades continuam, ainda hoje, na posse de objectos pessoais dos activistas.
A família – mulher e filha, uma irmã de 29 anos e um irmão de 11 anos – dependem financeiramente dele. A renda da casa onde todos vivem está por pagar. A mulher teve que se mudar para casa dos pais. Isto apesar de Nuno Dala ter dinheiro na conta, fruto do seu trabalho como professor na área da Pedagogia.